A CLARIDADE É UM CAIXÃO
A festa está acabando quando o pessoal não dança mais, somente pula. Não há mais como sincronizar o ritmo, habilitar coreografias, os braços dão socos imprecisos no ar. A cama elástica é a primeira fase do raiar do dia.
Após o pulo, bate a culpa pelos passos desengonçados, a vergonha diante do clarão das nuvens. Vem a segunda fase: o abraço coletivo, a formação de bolhas humanas.
Para disfarçar o desequilíbrio, os amigos passam a saltar enlaçados em rodinhas como nas formaturas. Inicia com um trenzinho, logo descarrila, transforma-se em autochoque, parte do grupo despenca e não volta.
Não é mais tempo de exibições, mas de sobrevivência. O desfecho surge com vogais gritadas. Na madrugada, a house music termina em Ilarilarilariê ó, ó, ó — é o que parece. Não sei se é um problema de geração, talvez hipnose coletiva, talvez neurônios queimados.
O que me desagrada numa rave é que ela põe fim à ilusão. Não poderia ser permitido ver de manhã com quem você ficou de noite. Provoca embaraços. A mulher pensa ter seduzido São Jorge e quem resta ao seu lado é o dragão. Como se manter abraçadinho? Como preservar as palavras de amor e devassidão? A jura apenas funciona no escuro quando a pálpebra é a boca.
De repente, a luz descortina os traços e desvendamos a companhia. Não se terá advogado perto, muito menos preparação psicológica. Alguns não disfarçam o espanto e soltam um “oh” de pântano.
Invadir a hora do café cria o impasse, além de expor o tamanho do estrago no corpo, simbolizado pela montanha de latinhas de energéticos, garrafas de vodka vazias e guimbas de cigarro pelo chão. Não veio o sono para se perdoar — a civilização começa com a reposição das oito horas de descanso.
Deveria ser proibido ultrapassar as seis horas da matina. No sexto badalo, é o momento de cortar o som, antes que a claridade revele a identidade secreta.
O sol não cega, tira a cegueira. Toda festa é um baile de fantasia porque você está bêbado e a sombra melhora o rosto. É necessário respeitar o transe. As filas no banheiro de manhã são metade de gente tentando fugir dos constrangimentos com seus parceiros.
Um turno ininterrupto de farra aniquila o mistério do dia seguinte. O suspense afetivo. Aquela sensação boa de desconhecido, de descobrir com quem se envolveu, armar a investigação no Google e no Orkut, definir se telefonará ou não.
As raves eliminam a chance de se despedir romanticamente, ou de se arrepender devagar e manter a educação.
Não vejo tristeza em acordar indeciso com os acontecimentos. Trauma é não dormir e enxergar o que ocorreu no ato, sem nenhum tempo para formar as lembranças.
Após o pulo, bate a culpa pelos passos desengonçados, a vergonha diante do clarão das nuvens. Vem a segunda fase: o abraço coletivo, a formação de bolhas humanas.
Para disfarçar o desequilíbrio, os amigos passam a saltar enlaçados em rodinhas como nas formaturas. Inicia com um trenzinho, logo descarrila, transforma-se em autochoque, parte do grupo despenca e não volta.
Não é mais tempo de exibições, mas de sobrevivência. O desfecho surge com vogais gritadas. Na madrugada, a house music termina em Ilarilarilariê ó, ó, ó — é o que parece. Não sei se é um problema de geração, talvez hipnose coletiva, talvez neurônios queimados.
O que me desagrada numa rave é que ela põe fim à ilusão. Não poderia ser permitido ver de manhã com quem você ficou de noite. Provoca embaraços. A mulher pensa ter seduzido São Jorge e quem resta ao seu lado é o dragão. Como se manter abraçadinho? Como preservar as palavras de amor e devassidão? A jura apenas funciona no escuro quando a pálpebra é a boca.
De repente, a luz descortina os traços e desvendamos a companhia. Não se terá advogado perto, muito menos preparação psicológica. Alguns não disfarçam o espanto e soltam um “oh” de pântano.
Invadir a hora do café cria o impasse, além de expor o tamanho do estrago no corpo, simbolizado pela montanha de latinhas de energéticos, garrafas de vodka vazias e guimbas de cigarro pelo chão. Não veio o sono para se perdoar — a civilização começa com a reposição das oito horas de descanso.
Deveria ser proibido ultrapassar as seis horas da matina. No sexto badalo, é o momento de cortar o som, antes que a claridade revele a identidade secreta.
O sol não cega, tira a cegueira. Toda festa é um baile de fantasia porque você está bêbado e a sombra melhora o rosto. É necessário respeitar o transe. As filas no banheiro de manhã são metade de gente tentando fugir dos constrangimentos com seus parceiros.
Um turno ininterrupto de farra aniquila o mistério do dia seguinte. O suspense afetivo. Aquela sensação boa de desconhecido, de descobrir com quem se envolveu, armar a investigação no Google e no Orkut, definir se telefonará ou não.
As raves eliminam a chance de se despedir romanticamente, ou de se arrepender devagar e manter a educação.
Não vejo tristeza em acordar indeciso com os acontecimentos. Trauma é não dormir e enxergar o que ocorreu no ato, sem nenhum tempo para formar as lembranças.
Crônica publicada no site Vida Breve