A FALTA DO QUE FAZER BEM FEITA
Arte de Eduardo Nasi
A felicidade não dura muito tempo. Talvez uma manhã, uma tarde, uma noite, dois dias. É mais intensidade do que duração.
Se você não tira o riso do rosto, é plástica ou está fingindo. Esconde a melancolia e se esforça para disfarçar.
Felicidade não é obsessão. Felicidade é se contentar com o que não deu certo também.
É a impossibilidade da frustração, é o antônimo da culpa.
Uma criança entende mais de felicidade porque não a entende.
O adulto, ao desejar ser feliz, já perde metade da felicidade (e a saudade rouba a segunda metade).
Felicidade é estar sensível, disponível, atento a qualquer distração; é uma predisposição a mudar de planos.
É uma vida que não depende de um objetivo para ser plena.
É combinar um cinema, declinar e ficar satisfeito por estar com a mulher no sofá. É desistir de uma festa e se orgulhar de um jantar caseiro. É marcar o alarme e dormir de conchinha mais vinte minutos.
Felicidade é preguiça. Não tem a ver com trabalho.
É se divertir, de forma inédita, com o que já realizou centenas de vezes.
É se contentar com pouco, quase nada, é querer somente o que já se tem.
É absolutamente sem motivo, sem planejamento.
A felicidade é a falta do que fazer bem feita. Não é pensar naquilo que não conseguimos, é agradecer o que redescobrimos.
É quando sua alma está com o bluetooh ativo para outras almas e é capaz de receber amizades sem mediação. Eu até diria que a felicidade é uma liberdade a dois.
Não se revela na emanação larga dos lábios e na sanfona dos dentes.
Quando o riso é redondo, perfeito, completo é um riso falso, riso para enganar, riso de proteção, riso para afastar intimidade.
O autêntico riso é imperfeito, infantil, retangular, carente, envergonhado. Pede o complemento de um abraço ou de um beijo.
Aliás, a gente ri mais com olhos do que com a boca. Já a gente chora mais com a boca do que com os olhos.
Quem é feliz tem um brilho macio nas pupilas. Há uma luminosidade no olhar que chama portas e janelas. Quem é triste não cansa de rir e procura piada em tudo.
Não se pode ser feliz sempre, eis o que absorvi em meus quarenta anos.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
28/5/2014