A FÉ DA MULHER NÃO É PERFUMARIA
Arte de Cínthya Verri
Minha esposa perguntou quem trocou o sabonete.
— Trocar o sabonete?
Pensei que sabonete vinha com o box do banheiro, como um refil substituído semanalmente por assistência técnica.
— Trocar o sabonete?
Pensei que sabonete vinha com o box do banheiro, como um refil substituído semanalmente por assistência técnica.
Ela reparou que a marca era outra, que aquilo não faria bem para sua pele, que traria espinhas.
Falou com tamanha convicção que disse amém.
Mulher é fiel com produtos de beleza. Mais supersticiosa do que um torcedor que jura que a cor da cueca ou a lealdade a uma camiseta favorita influenciam no resultado.
Banheiro não poderia ser dividido entre marido e esposa. Cada um deveria ter o seu. Simone de Beauvoir, Camille Paglia e Madonna apenas queriam um banheiro exclusivo. É um crime o gênero feminino partilhar o espelho com amadores.
Homem não tem banheiro, mas vestiário. Ele usa aquele lugar para tomar banho e sair para o serviço.
Já descerrar o armarinho de uma mulher é tirar a burka de uma muçulmana: todo o rosto está ali.
É um laboratório. Uma feitiçaria. Uma alquimia de receitas.
Tudo o que tem nas prateleiras é uma longa soma cultural de experiência de babilônias, gregas, chinesas, indianas e maias, é a história do universo num frasco, realizaram testes com vendedoras, manicures e cabeleireiras, se desfizeram de amostras grátis, travaram conversas socráticas com a mãe e as avós.
O batom, o rímel, o pincel são confidentes. Amigos das sombras azuis. Não foram escolhas aleatórias, mas frutos de estudo minucioso e atento, de sofrido descarte de concorrentes. A acetona ficou de pé por um motivo, o desodorante tem seu segredo, o hidrante é insubstituível, o bloqueador não produz alergias. Não busque argumentar. É como discutir estrelas com astrônomo ou empregar binóculo como telescópio.
Só elas leem realmente os ingredientes do sabonete. Nunca vi nenhum homem atento aos componentes miúdos das laterais da caixa.
Elas abandonam o perfume devido a um insucesso profissional. Culpam um creme pela sua depressão. Incriminam pomada pela hipersensibilidade.
É uma fé inabalável que invejo.
Homem se contenta com a caixa de primeiros socorros do carro — é a única nécessaire que se permite. Sofre pela soberba, adepto da ideia de que nasceu pronto e que pode mijar em qualquer lugar.
Não repara nos sinais, confunde a prevenção com luxo. Ao sofrer de caspa, não substitui o xampu. Não compreende que a chuva branca e miúda, aparentemente inofensiva nos ombros, provocará a queda do império de seus cabelos.
Falou com tamanha convicção que disse amém.
Mulher é fiel com produtos de beleza. Mais supersticiosa do que um torcedor que jura que a cor da cueca ou a lealdade a uma camiseta favorita influenciam no resultado.
Banheiro não poderia ser dividido entre marido e esposa. Cada um deveria ter o seu. Simone de Beauvoir, Camille Paglia e Madonna apenas queriam um banheiro exclusivo. É um crime o gênero feminino partilhar o espelho com amadores.
Homem não tem banheiro, mas vestiário. Ele usa aquele lugar para tomar banho e sair para o serviço.
Já descerrar o armarinho de uma mulher é tirar a burka de uma muçulmana: todo o rosto está ali.
É um laboratório. Uma feitiçaria. Uma alquimia de receitas.
Tudo o que tem nas prateleiras é uma longa soma cultural de experiência de babilônias, gregas, chinesas, indianas e maias, é a história do universo num frasco, realizaram testes com vendedoras, manicures e cabeleireiras, se desfizeram de amostras grátis, travaram conversas socráticas com a mãe e as avós.
O batom, o rímel, o pincel são confidentes. Amigos das sombras azuis. Não foram escolhas aleatórias, mas frutos de estudo minucioso e atento, de sofrido descarte de concorrentes. A acetona ficou de pé por um motivo, o desodorante tem seu segredo, o hidrante é insubstituível, o bloqueador não produz alergias. Não busque argumentar. É como discutir estrelas com astrônomo ou empregar binóculo como telescópio.
Só elas leem realmente os ingredientes do sabonete. Nunca vi nenhum homem atento aos componentes miúdos das laterais da caixa.
Elas abandonam o perfume devido a um insucesso profissional. Culpam um creme pela sua depressão. Incriminam pomada pela hipersensibilidade.
É uma fé inabalável que invejo.
Homem se contenta com a caixa de primeiros socorros do carro — é a única nécessaire que se permite. Sofre pela soberba, adepto da ideia de que nasceu pronto e que pode mijar em qualquer lugar.
Não repara nos sinais, confunde a prevenção com luxo. Ao sofrer de caspa, não substitui o xampu. Não compreende que a chuva branca e miúda, aparentemente inofensiva nos ombros, provocará a queda do império de seus cabelos.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira