A FOLIA DO CIÚME
Não temo o barraco. A gritaria do ciúme. Desde que seja no instante em que ela viu e esbravejou. No momento certo da raiva.
Ciúme pontual é saúde. Ciúme atrasado é doença.
Ciúme bom é flagrante, é catarse. Sentiu, falou, acabou.
Ciúme ruim é dissimulado, reprimido, azedará em segredo.
Não me amedronto com o escândalo na frente dos amigos, não receio zombaria entre os colegas.
Que a mulher me xingue em público, jogue minhas roupas para fora do armário, arremesse pratos na parede, esculhambe meu expediente.
Ciúme é natural no amor, como cachaça em prateleira do boteco.
Apagar o ciúme é apagar, da convivência, a embriaguez da paixão, anular o sentimento de pertencimento, é retirar a insegurança que nos torna atentos.
Ciúme é curiosidade, é a vontade de saber, de descobrir, de atualizar a relação. Nada de errado.
O que morro de medo é do ciúme retardatário, o ciúme premeditado, o ciúme friamente planejado. Quando a esposa silencia para cobrar no futuro.
Sempre sai mais caro, sempre tem juros.
Fiasco na rua não me assusta, discussão alta de madrugada não me envergonha.
O que me incomoda é quando a mulher percebe algo de errado e não me diz e fica colhendo provas.
Aquele ciuminho que poderia ser resolvido rapidamente acaba se transformando em mágoa e a mágoa crescendo em desconfiança permanente.
Coitados dos casais educados que não resolvem pequenos desentendimentos no ato. Levar problemas para casa significa valorizá-los.
Sorte dos barraqueiros: eles dificilmente se separam, não cultivam ressentimentos, explodem na hora e não tocam mais no assunto.
O que morro de terror é do ciúme calculado, o ciúme abafado, o ciúme que será rancor e despejo.
Tremo com o ciúme que é relatório do Tribunal de Contas, feito para separar e jamais esclarecer. O ciúme que demora a ser formalizado, longe de sua origem e eclosão.
O ciúme que o homem já esqueceu, de tempo atrás, mas que ela conservou na adega do inconsciente e um dia vai abrir. O ciúme que é vingança, revanchismo, vontade de terminar.
Não me indisponho com o ciúme passional, com a censura instantânea, com as perguntas à queima-roupa (Quem é ela? Já comeu? Tá me traindo?).
O que me causa dissabor é a maldita frase “Vamos conversar depois”.
E você não tem nem ideia do que ocorreu, não tem noção do que ela localizou e compreendeu errado.
"Vamos conversar depois" é uma sentença terrível. Ela não revela o que incomodou, deve ser coisa antiquíssima, e mantém um suspense sádico para atrapalhar a tranquilidade.
Ela anseia seu sangue, seus nervos, seus ossos – o desespero masculino no estado bruto. Cobiça que realize a revisão de seus atos, que interrompa tudo para adivinhar o motivo.
Você vai procurar alguma mensagem ambígua, algum comentário esquisito no Facebook, alguma pedra de amolação na intimidade.
“Vamos conversar depois” é terrorismo, é avisar de um castigo escondendo o desaforo, é antecipar a quarentena ocultando a doença.
É reprimenda de mãe. E já tenho uma mãe, não quero outra.
Minha coluna na Revista IstoÉ Gente
São Paulo, fevereiro de 2013, p. 66, Edição Nº 694