Blog do Carpinejar

A FÓRMULA DE BHÁSKARA

Arte de Cínthya Verri

Carlinhos descobriu a Fórmula de Bháskara do casamento. A resposta resolveria mais do que terapia, do que dança de salão, do que compras num shopping. E não traria custo. Desejou patentear o cálculo, mas não queria lucrar com uma ideia tão pura.

Estava na cara e ninguém teve a coragem de dizer. O óbvio é para os corajosos.

A receita transformaria a convivência numa eterna lua-de-mel. Eis o achado:

Anotar na agenda os compromissos de beleza da esposa.

Traria o alívio depois de vinte anos sendo cobrado por não acertar o que havia de diferente em Consuelo. Só não errava a depilação, o que, convenhamos, não merece elogio.

Teve o estalo quando assistia Caxias e São José, semifinal do Campeonato Gaúcho.

“Quem não consegue observar que aprenda a lembrar.”

A frase surgiu em sua cabeça do nada, não poderia ter sido o locutor. Ele se reconheceu absurdamente inteligente, a ponto de criar outra teoria: quanto pior o jogo, melhor o pensamento.

Com o método em prática, seria eleito o marido do ano. Perguntaria de manhã o que ela programou durante o dia e repassaria tudo ao iPhone: manicure/pedicure/sobrancelhas/cabelos. De noite, usaria a informação privilegiada a seu favor, como se não fosse importante. Todo homem perfeito é, no fundo, uma secretária.

Na cama, tomou a mão dela e disse:

— Que unhas caprichadas, ótima a cor.
— Como você percebeu?
— Não precisa muito, é apenas reparar.

(Quando o homem se diminui é que está se sentindo o máximo.)

No jantar, acariciou a franja dela e disse:

— É uma diferença uma sobrancelha bem feita. Abre o rosto.
— Mesmo? Eu arrumei hoje, incrível que tenha notado.
— Como que não? Olho tudo em você.

(Quando o homem se engrandece é que está enganando).

As observações renderam um aumento de 30% na vida sexual e redução em 50% das implicâncias dentro do carro.

Os dois já programavam viagem para Bariloche; experimentavam, de novo, aquela atenção integral de apaixonados.

Mas Carlinhos acabou traído pela casualidade. Consuelo avisou, logo cedo, que não sobraria tempo para almoçar: “O cabeleireiro tem somente horário ao meio-dia”.

Festivo, registrou em sua plataforma implacável: corte de cabelo!

Enfrentaria o grande exame clínico do amor. Ao voltar do trabalho, encontrou sua mulher no sofá assistindo televisão.

Olhou uma, duas, três vezes, e gritou:

— Que linda!
— O quê?, ela ficou assustada.
— Maravilhosa! Dez anos mais jovem!
— O quê? , ela entrou em aflição.
— Seu cabelo, o chanel perfeito!
— Eu não cortei.

Carlinhos jurava que uma mulher nunca desmarcaria o cabeleireiro. Seria capaz de abandonar noivo no altar, de jeito nenhum deixar cabeleireiro esperando. Não contava com essa infidelidade. Suspirou. Não existiam mais papéis fixos no mundo, nem dentro de casa.



Crônica publicada no site Vida Breve

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