A FÚRIA DOS TAXISTAS
Arte de George Grosz
Um dia os taxistas iriam se vingar de nossas indiscrições no banco de trás dos carros, das bebedeiras inomináveis, dos namoros escondidos, dos negócios em alto som. Um dia seria o julgamento, a explosão dos gravadores e taxímetros. A resposta para todas aquelas conversas e safadezas que eles foram obrigados a ouvir - e fingir que não estavam prestando atenção - durante um século de ofício.
A represália aconteceu comigo na sexta. Ia de táxi do bairro Pinheiros a Perdizes em São Paulo. Observando minha quietude tímida, todo o silêncio é envergonhado de manhã!, o taxista arreganhou os lábios e começou a discar o celular. Pensei que daria um recado rápido para familiares, já que ele estava dirigindo, ou manteria um discreto papo com o uso do headphone, já que eu estava ali. Que nada: ele colocou a ligação em viva voz, no rádio do carro – a nitidez me permitia transcrever as escalas do pigarro, do suspiro, do soluço do outro lado da linha.
Minha cordialidade levou um choque. Para não ser multado com o aparelho na mão, o taxista inventou uma maratona de telefonemas abertos. Agora seria vítima de um falatório ininterrupto, e não dava nem para pedir que baixasse o volume. Foi falando com ansiedade macabra. O mais grave é que a interlocutora não tinha noção de que eu participava da cena.
- Tentei ligar para você três vezes hoje, não atendeu nenhuma... Tá de brincadeira, hein?
Pelo tom áspero da reprimenda, concluí que fosse sua esposa. Liguei meu GPS, para seguir os dois na conversa. Vigiaria as sobrancelhas pulando corda pelo espelhinho. Mas o diálogo logo mudou de rota e largou sua redoma de bolo:
- Quase uma semana que a gente não se vê e não posso telefonar para você no final de semana, sabe que a patroa fica na cola.
A restrição revelava que se tratava de um casal de amantes. O taxista esfregava suas infidelidades na cara do passageiro, desprovido de qualquer vergonha.
Com uma voz de fumante, frágil, ela permanecia na defensiva.
- É que fiquei mal desde a última vez que nos vimos.
- O que houve?
- Comi algo que me embrulhou, e vomitei.
Aquilo que me seduziu no início como novidade foi me preocupando. Temia que revelasse uma gravidez, e ele se enfurecesse atropelando os pedestres na faixa.
- Tá tomando pílula, né?
Não precisava escutar que trepavam sem camisinha.
- Sim, meu amoreco...
- Ah, bom, passei da idade de me preocupar.
- Deve ter sido o almoço de domingo. Comi frango, salada de maionese, pepino...
- Desconfio de bactéria. Sempre tem alguma bactéria nas massas.
- Não sei, estou melhorando.
Meu estômago revoltava-se com a audição.
- Bom que não ficou enjoada de mim.
- Engoli sua porra no domingo, mas ela só me faz bem...
Naquele momento, o motorista gelou, freou o carro, percebeu que o relacionamento com o cliente não poderia ser mais recuperado. Desci ali mesmo, acho que nem paguei.
Queria ter cuspido pelos ouvidos.