A GINGA DO PENSAMENTO
Francisco Bosco é um cronista do ensaio. O melhor da nova geração. Um Manuel Bandeira da argumentação. Sempre está um passo atrás de sua época para poder enxergá-la. Sempre está um passo à frente de si mesmo para não acompanhar os preconceitos do seu tempo.
Lança sexta-feira, na Capital, o indiscutivelmente belo Alta Ajuda, que defende a força do pensamento negativo na solução de nossos problemas. Empreende uma campanha de ascese pessimista. Só podemos vencer os obstáculos e condicionamentos à base de muita fúria. A consolação apenas nos leva à resignação: esperar é não agir. Já o azedume rompe o muro. Ninguém discorda de um chato. A libertação pela chatice é uma jogada de irreverência inteligente. O chato é aquele que se desprende do medo dos outros. Do inferno sartreano de se submeter à vontade alheia.
Natural do Rio de Janeiro, poeta, compositor, colunista do jornal O Globo, Bosco, 37 anos, não tem nenhum traço antipático: é um sujeito carregado de carisma, descolado e erudito, com uma coragem jovem e uma curiosidade antiga. Paradoxal (contraditório nunca), transformou o ensaio em conversa de boteco. Faz grandes debates para pequenos temas. Para ele, não existe nada banal, o que existe é olhar preguiçoso. Espanta o hermetismo próprio do ensaio pela leveza solar da prosa bem escrita, articulada e humorada. Sua tática é manipular confissões. E acerta com sua intimidade didática. Prova que a reflexão deve se ajustar à emoção, e toda isenção é sinal de falsidade. Emoldura com análise minuciosas situações aparentemente simples, mas que se revelam complexas.
Todo texto começa com um comentário biográfico. A cilada se revela perspicaz, não tem como não ceder espaço para sua lábia. Ele une o testemunho com o testamento. O tom ameno sugere que é uma manifestação incômoda, de alguém que vai criticar a superficialidade das relações na web. Mas ele é um miniaturista do avesso. Aproveita sua incompetência digital para se surpreender e elogiar a forma sem conteúdo das redes sociais. Pois não precisa se cobrar por ser escritor, pode descansar do papel e também usufruir dos memes.
Alta Ajuda é uma ópera de supermercado, é Brecht da feira de frutas, é Lacan do estádio de futebol. O alto e o baixo se abraçam como irmãos de abismo. Como não acreditar em quem diz que gosta de gente depois das oito da noite e três cervejas? Ou que conclui que seus confidentes são aqueles com quem não precisa beber?
Estreia da nova editora Foz capitaneada por Isa Pessoa, o volume negro alarga a existência cotidiana por diferentes perspectivas. O autor carioca é um astuto do incômodo. É capaz de colocar numa mesa de igual para igual Freud e Noel Rosa. Minto, de igual para igual jamais, Noel Rosa ganhará o bate-papo. E o jogo da porrinha.
Serviço
Bate-papo Francisco Bosco e Fabrício Carpinejar
Autógrafos de Alta Ajuda
Sexta-feira (5/4), 19h30
Livraria Cultura de Porto Alegre
(Av. Túlio de Rose, 80)