A PUREZA DOS JAPONESES
Não há espaço no mundo para a ingenuidade.Os ingênuos sempre são excluídos.
Eu sofri com a saída do Japão da Copa. Porque os seus jogadores foram inocentes, como nunca se viu num mata-mata.
Não usaram da malandragem e da cena para conquistar a vaga. O time não fingiu lesão, não recorreu à cera, o goleiro não demorou na reposição, o técnico não empregou substituições para assegurar alguns minutos de paralisação.
Venciam de 2 a 0 e os atletas continuaram atacando a Bélgica. Venciam de 2 a 1 e continuaram atacando. Cederam o empate em cinco minutos e continuaram atacando. O jogo estava ganho na metade do segundo tempo, e não recuaram, não mudaram o esquema tático, não criaram um bloqueio, não protagonizaram o anti-futebol pelo resultado.
Samurais da teimosia, não abriam mão do espetáculo ofensivo, da katana do drible e da técnica, alheios à competitividade. Atuavam pelo prazer da emoção e, acima de tudo, pelo gosto de viver os seus princípios de retidão e caráter.
Prevalecia o heroísmo da bondade do Ultraman, do Pokémon, do National Kid.
No fim dos acréscimos, quando já estourava o cronômetro para a prorrogação, tinham um escanteio a seu favor. Bastava prender a bola em triangulação no canto do campo e provocar faltas. Qualquer seleção faria isso, menos o Japão, o incorruptível Japão, o suicida Japão, o encantador e puro Japão, que continuou atacando, preferiu tentar o gol mais uma vez, permitindo o contra-ataque letal da Bélgica.
Estavam mais dispostos a jogar do que a vencer. Assistimos a uma demonstração única e rara do futebol de antigamente. Foi uma viagem ao túnel do tempo dos anos 50.
A derrota prolongou o encanto: futebol não é feito de justiça.
Crônica publicada em 03/7/2018