A RUA DA PALAVRA
Arte de Eduardo Nasi
O marido bate na mulher quando não tem mais palavras.
A mãe bate no filho quando não tem mais palavras.
O motorista sai do carro para brigar quando não tem mais palavras.
Manifestantes invadem lojas e depredam a cidade quando não tem mais palavras.
A palavra é o último reduto da sensibilidade. A fronteira derradeira.
Quem perde a palavra perde o respeito.
Quem perde a palavra perde o silêncio.
Quem perde a palavra perde o direito de protestar.
Quem perde a palavra perde a solidão, o lugar para voltar.
Quem perde a palavra perde a causa, perde o fôlego, perde a justiça.
Perde-se definitivamente.
A palavra é contundência. Depois dela, só vem a crueldade, a truculência, a covardia.
A palavra é firmeza. Depois dela, só vem medo e desconfiança.
A palavra é ouvinte. Depois dela, a memória desaparece.
A palavra é o rosto da voz, essa digital do vento. Depois dela, não restam traços, não resta tinta.
A palavra é responsabilidade, é decisão, é destino. Depois dela, o anonimato é inconsequente e criminoso.
A palavra é fé. Depois dela, seja o que Deus quiser.
A palavra é paz de estar com a verdade. Depois dela, vem o exagero, a distorção, a mentira.
Abdicar da palavra é entregá-la para os sinônimos errados, para as pessoas erradas.
A palavra é o quintal derramado na rua. Depois dela, as vitrines são becos.
A palavra é ter espaço para frente e para trás. Já a violência sem palavras é um avião que não recua, que não dá ré, que somente avança ao desastre.
A palavra é tempo oferecido. Tempo de justificar. Tempo de convencer. Tempo de explicar as escolhas.
Sem palavra, o tempo é ruína, o tempo é explosão, o tempo é avareza.
A palavra é confiança da resposta. Depois dela, somos animais. Só quebramos para mostrar força, só destruímos porque não entendemos o mundo.
A palavra é generosidade. Depois dela, só vem a soberba, a arrogância, o preconceito.
Palavra é vidro. Tem que se preservar inteira para não cortar.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira