A ÚLTIMA BOLACHA RECHEADA DO PACOTE
Arte de Mimi Parent
A vingança é um efeito colateral da vaidade. É um sinal da arrogância que existia desde o começo da relação.
Ninguém se torna vingativo, as pessoas já são vingativas e demonstram a predisposição de destruir logo no primeiro encontro.
A vingança não é uma novidade do fim, mas uma notícia velha do início.
Não venha dizer que só conheceremos com quem a gente se casou quando nos separamos. A gente conhece de quem a gente vai se separar quando casamos.
Quem se acha demais acaba se vingando. Porque pensa que, ao namorar, realiza um favor. Porque pensa que, ao namorar, concede o bilhete premiado de sua companhia. Porque pensa que, ao namorar, está garantindo a simpatia de sua conversa, a gentileza de sua personalidade, a dádiva de sua alegria, o luxo de seu humor, atributos raros e impossíveis de se jogar fora.
Quem se acha demais não namora, na verdade dá uma chance.
O tipo narcisista se coloca na posição de provedor da verdade. É afetado, unilateral e autoritário – tornou-se assim pela beleza, pelo dinheiro ou pela projeção social.
A questão é que se enxerga perfeito e intocável e confunde sua presença amorosa com filantropia.
O narcisista não admitirá qualquer crítica, e a separação é a maior delas, discordância evidente de seu modo de vida.
Jamais aceitará que errou, jamais pedirá desculpa, jamais arcará com a responsabilidade de seus atos, jamais carregará culpa pelo distanciamento. Não tem humildade da autocrítica para acolher suas falhas, muito menos sente o remorso que vem da saudade. Não tem aquela pontada natural após uma ruptura, aquela tristeza baldia e consciência aguda de que foi desatento e que poderia ter sido diferente.
Não atravessa o luto, parte direto para a represália. Uma vez rejeitado, fará de tudo para mostrar que a pessoa nada é sem ele. Diante de uma ruptura, pode deflagrar perseguição, boicote e uma série de constrangimentos sociais. Procura humilhar quem antes adorava, procura rebaixar quem antes endeusava. Troca de lado: odeia com todo o ânimo quem amava.
Sua generosidade é investimento ou um modo de manter o controle da situação. O que oferece ao longo da convivência cobrará no final.
É tão centralizador que usa a dor para aumentar seu poder e castigará qualquer um que renunciou o prazer de seu reflexo.
O narcisista é vingativo por perceber o amor como uma monarquia. Sem ele, o outro não é nada, não tem história, não tem passado, não tem futuro. Distanciado de seu domínio, perde o direito à coroa e converte-se, de novo, em reles súdito.
A vingança é vaidade, mas não tema, não se acovarde.
A última bolacha recheada do pacote ficará para as formigas.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 6/7/2014 Edição N° 17851