Blog do Carpinejar

A VIDA É UMA CAIXA DE BOMBONS

A ambição apaga as pequenas delícias e você não se emociona nem mais com uma caixa de bombons. É que já está completamente indiferente à vida.

Não se surpreende mais com o chocolate. Não tem doçura dentro de si para entender outras doçuras.

Na infância, ganhar uma caixinha de bombons, exclusivamente para mim, era o ideal de Páscoa, o meu sonho de Última Ceia, quadro da nossa cozinha.

Com a disputa constante de três irmãos pela sobremesa, o presente representava uma reserva de guerra de um mês. Eu me sentia milionário. Não cabia em mim de felicidade. Podia ser capaz de qualquer coisa, podia vir prova de matemática na escola que não estragaria os meus dias.

Planejava como daria conta da multidão de doces em minhas mãos. Comia, primeiro, os que eu mais gostava. Vinha sempre três de cada tipo de bombom.

Os dias inaugurais acabavam sendo os mais eufóricos. Havia uma sedução no momento de abrir a embalagem. Um striptease lento e inesquecível. Sentava na cama quando me encontrava sozinho no quarto, e desenrascava as hélices dos dois lados da embalagem simultaneamente. Tirava o papel alumínio com a unha - pela ânsia, a unha ficava com casquinha de chocolate - e olhava com dedicação o bombom antes da mordida, tal bola de cristal. Mordia no meio para comer o recheio antes e depois me deslumbrar com a casquinha.

Andava de bom humor porque havia a esperança sortida na gaveta do criado-mudo. Não desfrutava de igual sensação de posse, poucas vezes eu me vi dono de algo, talvez unicamente com a toalha bordada da educação física e com o material escolar onde constava o meu nome e sobrenome preso numa tirinha de durex.
Bancava ainda o generoso no final da caixinha. Como restavam os bombons de passas, de coco e os amargos, que detestava, eu oferecia para os pais e irmãos.

– Quer um?

Nunca distribuía no início, mas sempre no final, na rabeira. Recebia assim elogios infinitos da família, que não entendia a minha trapaça.

– Fabrício reparte os seus presentes. É um exemplo. Façam como ele.

Publicado em Jornal ZH em 27/3/2018

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