Blog do Carpinejar

A VOZ DO AEROPORTO E DA RODOVIÁRIA

Arte de Ernst Ludwig Kirchner

A voz do aeroporto é feminina, a voz da rodoviária é feminina. Já reparou na coincidência? Elas vivem nos avisando do tempo do trajeto, das escalas, do portão, esclarecendo dúvidas, organizando as filas.

Os pontos de embarque não poderiam apresentar um timbre masculino. Homem não sabe se despedir: ele desaparece, prefere não mais falar a explicar suas fraquezas. Lida mal com o sofrimento. Decide sumir a ser rejeitado.

Resmunga, não chora. Muda de assunto, não chora.

Você nunca vê seu pai em prantos porque ele engole as lágrimas. Você nunca enxerga seu marido se emocionando porque ele vai para outra sala controlar a respiração.

As chamadas do aeroporto e da rodoviária não poderiam vir de um homem. Não traria calma, mas apreensão de acidente.

Já com a voz feminina, existe uma empatia de nascença. É uma aspirina para os ouvidos, conto de fadas para dormir, eco do ventre. A conexão pode estar atrasada cinco horas e o tom é de tranquilidade maternal. Não provoca nenhuma inquietude, converte a espera em vantagem de leitura e solidão.

Homem é trágico, objetivo. Mulher é esperançosa, compreensiva.

Homem vai direto ao ponto, mulher deseja conversar acima de tudo.

Quando uma locutora aponta que o voo ou o ônibus não irá sair no horário, conquista o perdão fulminante. Deduzimos que ela fez o possível. Perante um locutor, antecipamos que ele quer nos enganar e está escondendo informações.

É como se o aeroporto e a rodoviária fossem um altar. É natural o atraso da noiva, é uma afronta o atraso do noivo.

Homem não poderia estar mesmo nos microfones dos locais de partida.

Ele ordena, não consegue pedir como a mulher. Ele determina, não consegue indicar como a mulher. Ele castiga, não consegue defender como a mulher. Ele manda, não consegue partilhar como a mulher.

A voz do rodeio é masculina, assim como voz do estádio e a voz do presídio. Vozes da multidão. Vozes impessoais. Vozes arrogantes. Vozes paternais.

Já a voz da mulher se dirige para cada passageiro ainda que seja para todos. É um recado compassivo, uma mensagem individual.

Elas dizem adeus como se fosse um até logo. Não dá para acreditar que seja o fim.

Por isso, o homem nunca confia que o relacionamento acabou. Sempre pensa que haverá um jeito de voltar.

É culpa da voz do aeroporto e da rodoviária.




Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 14/08/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17161

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