AGUAR O JARDIM
Arte de Eduardo Nasi
O pai sempre ensina Suellen a regar as plantas. Ou como a família costuma dizer: aguar o jardim.
É sua tarefa de final de domingo.
O pai é um obcecado por cuidar dos canteiros, não permite um lírio durar muito tempo no vaso sem transplantar para o solo, tem uma coleção de orquídeas grudadas nas costas das árvores, faz a barba de seus bonsais todo dia, calcula o desabrochar de cada nova hóspede.
Há dez anos, desde que ela era pequena, o pai demonstra como ela precisa segurar o regador e usar a mangueira.
Com doce insistência, explica a força na hora de abrir a torneira, a quantidade de água a ser derramada, o cuidado intensivo para não assustar os passantes pela rua, aponta as partes da grama que não foram atingidas, alerta para as flores que não podem receber jatos na cara senão morrem.
É sua vida de jardineiro. Ou de pintor. Como ele pinta, ele é devedor daquilo que vê. Sofre quando a paisagem adoece antes do quadro. Ou quando a paisagem não vira quadro.
A questão é que Suellen jamais aprende, mas também jamais deixa de perguntar.
Há dez anos é assim naquela casa mineira. Há dez anos travam o mesmo diálogo, a mesma troca carinhosa de expressões.
— Mesmo?
— Funciona!
— Olha como elas estavam secas!
Suellen vem para sua obrigação caseira absolutamente desmemoriada.
Não que seja complicado e que tenha alguma deficiência para memorizar os passos daqueles dez metros de pétalas no bairro Nova Suíça.
É uma rotina que lhe oferece tranquilidade. Questionar, compreender e esquecer até o próximo domingo.
A mãe inventou de romper o pacto dos dois, quebrar aquele acordo tácito de submissão e silêncio.
— Suellen, por que você obriga seu pai a repetir? Que maldade é esta? Fica debochando do velho?
Embaraçada pela questão, como quem é pega em flagrante, ela baixou a guarda do fluxo para seus pés descalços e respingou umidade em seu vestido:
— Mãe, não é que não aprendo, eu não canso de ouvir meu pai me ensinando. Venho aguar o jardim para ver meu pai explicando. É como uma história para dormir. Vejo se ele vai usar as palavras de sempre, as frases de sempre, como está seu temperamento pelas pausas, onde ele acrescenta uma nova informação, como seu olhar procura rapidamente conter as zonas mais queimadas e recuperar as folhagens adoecidas. A voz do meu pai é o meu jardim.
Os três novamente se calaram, e a água voltou a falar.
A admiração hidrata o amor.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
10/9/2014