Blog do Carpinejar

AÍ TEM COISA

Arte de Cínthya Verri

Minha obsessão é pelos calções esportivos com um pequeno bolso interno. Um esconderijo de simbólicas quantias.

Eu praticamente só jogo futebol de bobeira com os filhos Mariana, 17, e Vicente, 9. Recuso participar de campeonatos da firma, qualquer um pode sacrificar a perna ou o braço no final de semana com colegas de trabalho. O amador é desesperado; por um caneco de latão, entra numa dividida perigosa e cabeceia as chuteiras do zagueiro.

O que faço hoje é aquela bagunça de praça, nada que force o fôlego. Alguns chutes a gol, dois contra um, marcação das traves com pedras e chinelos, corridas cômicas, dribles na linha de fundo e faltas irreverentes — a maneira que ainda encontro para abraçar meus adolescentes.

Levo sempre cinquenta reais. Uma onça por garantia. Não é destinada a comprar lanchinho ou água, não vou subornar o juiz (desnecessária a presença dele em nossa pelada), nem é caixa dois de amolecer a defesa.

Uso a nota sem usá-la. Dependerei dela durante a partida como uma simpatia, um fundo moral, uma fitinha do Nosso Senhor do Bonfim. É a certeza de que não seremos incomodados.

A primeira vez aconteceu na praia, há dois anos, em Balneário Camboriú.

Brincávamos na areia com nossas redes invisíveis entre cocos. Num banco de pedra, de frente ao mar, três adolescentes acompanhavam o nosso ziguezague engraçado. Debochavam da ruindade familiar. Não continham as gaitadas, já nos atrapalhava a exagerada torção dos seus corpos.

Foi o momento em que peguei a grana e desafiei o bando:

— Querem jogar? Valendo cinquenta reais! Topam? É barbada…

Os monstrengos estavam na faixa dos 18 anos, cheios de energia, prepotentes em sua forma física.

Enfatizei o convite:

— Vamos pessoal, é um menino, um velho e uma jovem contra vocês, dinheiro fácil…

Eles se calaram, receosos.

— Não vão dizer que estão com medo da gente, que são covardes? Cinquentinha, hein?

Desconfiaram da mutreta sigilosa: Vicente escondia o jogo, Mariana deveria ser a sucessora natural de Marta na seleção e eu, um ex-jogador disfarçado de tiozinho.

Compreenderam que não iríamos provocar à toa. Já nos enquadravam como jogadores de sinuca que começam perdendo e, na última hora, aposta feita na caçapa, acertam todas as jogadas de surpresa.

O golpe funciona que é uma maravilha — e nos dá a privacidade de um treino fechado.



Crônica publicada no site Vida Breve

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