Blog do Carpinejar

ALEGRIA PARA DAR E VENDER



As faixas colocadas nas fachadas dos prédios noticiam a façanha a toda a praia e algumas até definem por antecipação a especialidade a ser seguida pelo recém-aprovado


Os argentinos enlouquecem na hora de procurar apartamento na orla gaúcha.

Andam desorientados pelos calçadões. Identificam centenas de faixas que fogem do tradicional “aluga-se”. Não assimilam as mensagens cheias de siglas nas sacadas dos prédios. Não definem se o imóvel está disponível ou corresponde a recados televisivos a Galvão Bueno:

“Luciano é Bixo.
Odontologia UFRGS”

“Fabi, valeu!
Bixo Veterinária PUC”

Se os bixos pintam o rosto para comemorar, os pais tingem e estendem lençóis pelas fachadas de seus apartamentos. Um enxoval tão disputado como o do nascimento de uma criança. Indispensável como o canudo e a toga na formatura.

Quem não recebe a homenagem não pode se matricular.

Trata-se de uma vingança emocional dos pais aos beijos negados na adolescência. Os velhos exorcizam os atrasos e reencontram uma segunda infância do filho, onde gritos, abraços e diminutivos são novamente permitidos.

Colocar a mensagem é a desforra dos ásperos silêncios dos últimos meses. Quase um grito de independência. Algo como o rótulo de champanha. Não, champanha não, rótulo de sidra. Excessivamente doce, como os olhos das crianças.

A loucura, portanto, tem justificativa. Esconde uma longa mobilização paterna e materna. Uma retaguarda de equipe.

Preocupado com o desempenho, o vestibulando não tem ideia de como influenciou a casa, desde a decoração aos hábitos alimentares. O casal disfarçou o nervosismo, os irmãos se controlaram para não atrapalhar, até o cachorro miou em segredo.

Não menospreze a contundência da tinta vermelha no tecido. Se não soasse absurdo, seria escrita com sangue.

A exposição não tem controle, contenção, elegância. Não existiria graça em cochichar uma façanha. É um grandioso mico. É para perder as estribeiras. Não restar dúvida da corujice.

Um movimento disposto a constranger pesado, a atrair a atenção do condomínio, do bairro, da garota-verão e do prefeito. Alguns escancaram a intimidade com apelidos fofos e inconfessáveis. Outros extrapolam a medida e definem por antecipação a especialidade. Se o jovem ingressa em Direito, a família festeja o futuro promotor. Se ele passa em Medicina, anuncia um próximo ginecologista.

Por mais que tentem, os pais não envergonham os filhos. A felicidade supera o vexame. Nenhum aprovado fica chateado. Está muito emocionado para raciocinar. Tomado de um otimismo insuperável, é capaz de descobrir valor num ônibus pinga-pinga ao litoral e explicar que é um modo fascinante de conhecer todas as praias da região.

Nem sempre o amor pode ser vaidoso. Nem sempre tem direito de ser cafona. Não é justo desperdiçar essa chance.

Quando entrei em Jornalismo na UFRGS, minha mãe não esperava. Foi pega de surpresa. Sequer programou uma comemoração. Não contava com faixa para exibir aos vizinhos, muito menos conhecia empresas para confeccioná-la. Armada da linha e da agulha da irreverência, tomou um terno escuro do pai e bordou em suas costas:

“Bito é jornalista.
Meu filho.
UFRGS 1990”

E colocou no portão, preso num cabide de madeira, substituindo o enfeite natalino.

A roupa balançou altiva na chuva e sol durante meses. Era um espantalho orgulhoso, que recebia a visita curiosa de pintassilgos no fim da tarde.

Mesmo na vitória, ela conseguiu inventar uma maneira de continuar a dizer para não me esquecer do casaco.




Publicado no jornal Zero Hora
Foto de Adriana Franciosi
Editoria Geral, p. 19, seção Estrelas do Mar
Porto Alegre (RS), 14/02/20010

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