AMIZADE PLATÔNICA
Arte de Giberto e George
Pior do que amor platônico é a amizade platônica. Muito mais grave.
Quando seu melhor amigo diz que você não é o melhor amigo dele, que ele tem um outro melhor amigo.
Você se acha traído, desapontado, desprezado.
Oferece o máximo de sua conversa e lealdade a alguém que escolheu um terceiro como confidente.
Tudo o que você já fez e falou não teve brilho suficiente para conquistar o reinado da confiança. Lembra que os jogos, os socorros e a cumplicidade não convenceram o parceiro a partilhar de idêntico arrebatamento. Ele ainda acredita que tem um sujeito mais capacitado a entendê-lo do que você. Se ele pudesse optar, não estaria ao seu lado.
Isso desequilibra sua fé. Nasce uma covinha no riso, as sobrancelhas tropeçam nos olhos.
Está ilhado na admiração. É coadjuvante quando pensava atuar no papel principal.
Na hora em que descobre a verdade, não há inveja, e sim decepção. Parece que foi usado, parece que foi um sparring, parece que o passado foi nada.
Nem pode reclamar como acontece no amor platônico. Não pode pedir estorno dos dias vividos, ou gritar que é injusto ou tomar um porre.
Dores de amizade são discretas e silenciosas. Não ser correspondido na amizade cria um vazio sem precedentes.
Na escola, meu melhor amigo era o Cristiano, o único colega a quem emprestei meu time de botão, o único a quem contei que amava a Gisele. Atravessava as tardes em sua companhia: jogando videogame, disputando corridas de bicicleta nas ladeiras da Mostardeiro, solucionando infindáveis cálculos de matemática.
E não é que numa redação da 5ª série, na qual revelávamos nossas grandes parcerias, Cristiano lê alto para toda turma, diante do quadro-negro, que seu amigo do peito era o Gustavo?
Fui pego desprevenido, não tive tempo de esconder a tristeza, que ficou visível no rosto, escandalosa como perfume de goiaba.
Naquele instante, conheci a força secreta da rejeição. Gostava dele e ele preferia o Gustavo. Eu me percebi corneado na amizade. Um corno manso das confissões.
Risquei o Cristiano rapidamente do meu texto. Mas não veio nenhum nome para substituí-lo. Não tinha segundo melhor amigo.
Menti para a professora que não terminei o texto. Ela entendeu minha solidão, e não me repreendeu.
Passei a voltar sozinho para casa.
Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 19/06/2012
Porto Alegre (RS), Edição N° 17105