AMOR NÃO TEM DUAS CARAS
Texto Fabrício Carpinejar
Foto de Gilberto Perin
Amor virtual é também real.
Se você passa das fronteiras do verbo está traindo. Cantadas são traições. Não há desconto. Deslealdade é a infidelidade da palavra.
O que você imagina é o que você pensa e é o que você acredita. Insinuar é suspender o poder dos limites, profanar os segredos do casal e pagar o preço da confusão. Quem não se declara comprometido imediatamente está interessado em mentir.
Não existe ingenuidade retroativa.
Quem explica depois é que não foi intencionalmente claro antes.
Ninguém se apaixona no primeiro contato. Se aconteceu uma paixão fora do casamento é que permitiu inúmeras oportunidades de aproximação e sabia o que estava fazendo. Quantas chances teve de dizer não e ficou no talvez? Quantas cenas para recusar o envolvimento e seguiu adiante?
A casualidade é premeditada.
Por isso, diante da facilidade para estabelecer contatos, o romance moderno não tem mais o privilégio de duas caras.
De nada adianta sussurrar as palavras mais doces e surpreendentes a sós e não repeti-las nas redes sociais. Jurar casamento e descrever projetos dependem, ao mesmo tempo, da visibilidade cotidiana e do olhar de testemunhas.
O que você confessa a dois também precisa ser cantado. É a única garantia de autenticidade que se tem para não esbarrar em cafajestes e mitômanos.
Atualmente o amor se desdobra em dois movimentos simultâneos e complementares: amar para si e não se envergonhar de amar em nenhuma situação pública.
Nem é questão de preferir a privacidade. A defesa da relação está acima da retração e da timidez.
De nada adianta prometer dedicação eterna frente a frente e não mudar o status do facebook. É falso se comprometer privadamente e não contar com a capacidade de repetir a frase para os outros. Posts de amor devem conviver com os bilhetes dentro de casa.
Aquele que não se revela nos meios virtuais quer manter uma vida dupla. Cultiva paixões silenciosas, não se entrega de verdade e deixa a porta aberta para pendências e flertes.
Amor hoje ou é inteiro ou é falso.
Coluna Semanal
O Globo
25.11.2016