ANOTAÇÕES SOBRE A SAMAMBAIA
Ninguém foi condenado por matar uma samambaia. Nenhum solteiro, nenhum casado em crise. Sempre ela é vista como suicida. É ela que desistiu, nunca é culpa da falta de cuidados.A família sai de férias, não é carregada junto, não inspira instruções para quem fica.
Ela é abandonada, como um zelador dos objetos.
Não se compra uma samambaia, recebe-se de presente. Como veio de graça, assim ela é ainda mais esquecida.
Sua aparência de mato engana, confundida com um arranjo de buquê sem as rosas.
A samambaia termina com alma de flor de plástico.
Como não oferece sementes, como não floresce, tem o preconceito dos românticos.
A samambaia poderia andar nua pela casa e não chamaria atenção. Nasceu camuflada, camuflada de si mesma. É apenas percebida com a chegada das borboletas. As borboletas são as suas roupas.
A samambaia não mete medo como uma lagartixa. Ela existe, mas não existe. Tem uma desvantagem em relação à lagartixa: não tem paredes para correr.
O fato de ocupar o alto faz com que não seja valorizada. Parece que não é dali, parece que está voando, de passagem.
A samambaia é uma pipa que foi montada e jamais ganhou o céu de uma criança.
Não se conhece o desejo de uma samambaia, a sua felicidade, o seu esporângio.
Escora-se nos lamentos do vento, uma planta triste de unhas compridas. Talvez uma manicure resolvesse o seu dilema.
A samambaia sofre de complexo de inferioridade, mas não consegue encolher. Ela cresce, inclusive, quando falece.
A samambaia é confundida com o cacto. Só que o cacto sobrevive, a samambaia não. O cacto bebe mais pedra do que água.
Lembra um cachorro, pula em cima dos móveis, abana o rabo, lambe o rosto e se esfrega em quem se aproxima. Pena que o dono não compreende as suas folhas como uma língua para fora.
Morre de sede porque todo mundo pensa que alguém já deu água para ela.