Blog do Carpinejar

APELO SEXUAL

Arte de Tereza Yamashita


Toda mulher cria seu fetiche: um detalhe pessoal e intransferível que ela adora num homem. Uma atitude que vai diferenciá-la de qualquer estratégia varejista.

Talvez você, macho leitor, só desvendará o segredo pela convivência, e olhe lá, talvez nunca descubra. É um trejeito que executa de modo inocente e que perturba violentamente sua cara-metade, realmente a excita mais do que um beijo e um abraço. Aquilo que é imperdoável para a ex será visto como estimulante para a nova companhia. Não há como repetir ou patentear. Pode ser um tique nervoso, uma manha, uma feição contrariada ao longo do aceno. Ou algo que nem gosta e procura esconder.

Não é uma piscadela ou um beiço consciente, elimine o repertório básico de sedução, diz respeito a uma postura ou um gosto discreto, vadio, que não nasceu para pose.

Juro que não tenho como ajudar, não existe padrão. Muda conforme o histórico escolar da moça.

De repente, é um acessório de sua aparência, não duvido que seja o modo como deixa a camiseta para fora da casa ou sua inclinação à porta no instante de suportar um atraso. O complicado é detectar o atrativo durante o relacionamento. Caso localize, gozará de um poder especial de tirá-la do sério quando quiser e de escapar ileso de uma briga.

Enquanto procura, é uma bomba-relógio instalada em seu corpo. Já foi acionada a contagem regressiva. Trate de iniciar a investigação. Onde está seu apelo sexual? Onde?

Convivi com uma colega que se emociona com cadarço desamarrado e longo. Bem longo. Alucinada pelo tipo que não amarra e pula corda com seus próprios calçados. Arrepia-se diante do fio arrastado; as serpentes no chão; a língua bifurcada antecipando o bico. Não procure compreender, fantasia não se explica, cresce no mistério. Quem usa velcro está imediatamente descartado. Ela escolhe seus parceiros pelos pés. Lamento que perdeu a época do kichute, organizaria um leilão de pretendentes.

Outra amiga baba por motorista que emprega uma única mão para estacionar de ré, girando os dedos como uma enceradeira. Sem direção hidráulica, então, o cara ganha amor eterno. Ela se enxerga dominada pelo movimento. Arrebatada. Confessa que suas pernas tremem, os cabelos deslizam para os seios. Mas não dá mole, entabula regras rígidas de autoescola, cobra baliza no primeiro encontro: não admite que empregue a mão esquerda como apoio. Uma mão! Sonha com o que ele será capaz de aprontar apenas com uma mão.

Uma terceira repara no pulso. Homem graúdo, legítimo, tem que ostentar relógio grande, o pré-histórico cebolão. Considera grave afronta a variação digital, destinada aos analfabetos amorosos. Desdenha também das pulseiras de plástico, endereçadas para as barbies. Caça o ponteiro muito mais do que uma aliança. O relógio é a cabeceira frondosa da cama. Em sua fantasia pontual, o pertence de ferro sugere superdotados incansáveis que perderiam a hora.

Já a minha namorada nutre uma paixão pelos meus ombros. Acho que careceu de exigência ou foi mesmo falta de opção. Eu me envergonho deles, pelos ossos saltados. Não exibo forma de escravo romano, não curto musculação, sou magro, quase um cavalete de quadro. Mas Cínthya passa os dedos com volúpia na pia batismal do pescoço, muda a respiração, engole o sopro de volta num suspiro invertido.

Sua admiração produziu até neologismo. Inventou de chamar meus ombros de pollockianos, uma homenagem a arte de Jackson Pollock.

O que me intriga é que o americano somente fez pintura abstrata.




Crônica publicada no site Vida Breve

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