AS APARÊNCIAS NÃO ENGANAM
Mulher guarda repulsas em segredo. Não abre para a ala masculina o que realmente detesta. Deseja que ele descubra sozinho ou reza para que nunca aprenda mesmo, sempre é bom ter uma pequena vantagem no ódio.
Um dos seus horrores é homem que usa sapato branco. Para ser perdoado, ou ele é um bicheiro extremamente rico, dono de escola de samba, ou um pai de santo poderoso, proprietário de uma granja. Na ausência das duas hipóteses, precisa saber dançar muito bem, reeditar um Fred Astaire do bico fino, tirar música do salto, reproduzir La Marseillaise subindo a escada.
Mulher projeta o futuro no primeiro encontro, o depois vem antes. A realidade disputa corrida com sua idealização. Quando namora já pensa se ele serve para casar. Quando casa já pensa se ele serve para cuidar dos filhos. Por sua vez, homem é de alma retroativa; quando namora e casa, só lembra a sua mãe.
De acordo com o efeito dominó feminino, o cara que compra sapato branco vai adquirir cinto branco. O cara que compra sapato branco vai vestir camisas floreadas e abri-las até o terceiro botão para exibir a corrente de ouro com a inicial do nome. Não terá limite. Não terá censura. Colocará carpim preto com tênis. Aparecerá na cama de cueca cor de pele. É totalmente sem noção, previsão de vexame na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, durante o casamento ou na pensão.
E essa não é a mais constrangedora repugnância. Há uma que envolve a maioria dos parceiros.
O que sua esposa ou namorada não confidencia é a fobia que sente com a rodela de mijo na calça. Toda fêmea não aguenta mijão, quem abandona o vaso com um halo molhado na braguilha, uma infiltração de parede no tecido.
Não tem como dizer que é outra coisa, senão que ele não balançou o dito e que aquilo é urina pura, nem precisa submeter a exame de laboratório, urina pura!, não invente de cheirar. O mais grave é que seu companheiro não trocará de calça por preguiça ou pela certeza de que ninguém reparou. A impunidade é a higiene masculina.
Ele espera a prova do crime evaporar para seguir com suas atividades. Passará o dia inteiro cheirando a mercado público, sem nenhum pingo de vergonha.
Os mais culpados ainda desenvolvem explicações e se antecipam aos comentários: “Eu me encostei na pia e molhei a calça”, “Espirrou sabonete na hora de lavar as mãos”, “Derrubei café e tentei limpar com um pano”. Os mais intrépidos abusam das fantasias e criam a teoria de que o refil da privada foi posto invertido e jorrou água na descarga. Perdem tempo para mentir, não para corrigir o desleixo.
No banheiro masculino, junto da toalha, deveria ter uma fralda geriátrica. E, por precaução, o talco Johnson.
Crônica publicada no site Vida Breve