Blog do Carpinejar

AS MENTIRINHAS PERVERSAS

Arte de Fatturi

Protegemos nossas pequenas mentiras em vez de cuidar do relacionamento.

— O que está pensando?

— Por que fez aquilo?

— O que deseja?

Não respondemos o que vem à cabeça, filtramos o que seria mais importante falar, o que daria mais ibope, o que nos fortaleceria naquela situação.

A vontade de agradar é maior do que a vontade de ser verdadeiro.

Não aceitamos nossas imperfeições, e mascaramos os defeitos com imprecisões. A vergonha de errar nos leva aos grandes erros.

Sem querer, já estamos mentindo. E mentimos porque a verdade não impressiona. A verdade não tem roupa de festa. Ela fica abandonada enquanto exercitamos as mentirinhas. Não nos sentimos culpados, pois ninguém conhece a nossa verdade.

Batemos o pé por bobagens, compramos brigas desnecessárias, geramos discussões à toa.

Usamos a toalha do outro por engano. Pode estar encharcada e sustentamos que não foi a gente. Comemos um doce reservado na geladeira e somos capazes de jamais admitir a autoria e desfazer o mal-entendido. Quebramos um objeto na sala e fingimos que ele sumiu de repente.

Era algo simples de ser assumido, e deixamos passar. Criamos uma avalanche a partir de uma pedra de gelo.

Não confessamos o que aconteceu, e o costume ainda é incriminar quem nos chamou atenção, invertendo o jogo: - Não acredita em mim?

Trocamos a espontaneidade pelo orgulho, a franqueza pela persuasão. Subestimamos quem nos escuta ou não nos julgamos dignos do que pensamos. Planejamos o nosso depoimento para soar natural. Premeditamos nossa conduta para receber somente elogios. Ao evitar os castigos e reprimendas, evitamos também a autenticidade.

Uma mentirinha é logo esquecida em nome de uma nova e não acompanhamos os juros.

A mentira é um modo de não ser julgado. Mas estamos nos condenando secretamente a nos afastar do que nos incomoda.

Nem é mentir no início de um relacionamento, o que é perdoável, é exagerar um pouco por dia. Sobre o emprego. Sobre o sexo. Sobre o amor. É falsificar nossa pobreza. Colocar uma manta para cobrir o sofá rasgado.

A partir de uma resposta mais agradável, desviamos o caminho, distorcemos algumas frases e somos obrigados a inventar todo um passado.

Prefiro estar acompanhado numa estrada real, ainda que penosa, do que viver sozinho em minha imaginação.




Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 17/11/2013 Edição N° 17617 

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