Blog do Carpinejar

AS VELAS DA MINHA CORAGEM

Sou amigo de meus medos. Sei que o medo é apenas o começo da valentia.
Puxo conversa com os meus medos. Vejo o que tem dentro deles, o que eles pensam, não deixo irem embora sem uma xícara de café. Medo não é ruim, é um alerta do que é importante para nós.

Sofri muito medo na vida: de não ser aceito, de não ser amado, de simplesmente não ser. Mas fiz terapia com os meus medos, porque eles são portas para resolver e acalmar rejeições antigas.

Não tive facilidades, mesmo sendo branco, de família com recursos, heterossexual. O medo não tem cor, não tem gênero, não tem forma. O medo é democrático e se estende a todos.

Sofria por ser diferente. Diferente significa esquisito. Fala presa, feio e com o raciocínio fora da ordem normal da rotina.

Na escola, era visto como um desvio. Um erro que precisava ser eliminado. Um monstro de circo para se rir e pagar ingresso.

Afinal, a turma não sabia o que fazer comigo. Eu não me mostrava parecido com ninguém. Sofria zoeira, gozação, humilhações. E voltava para casa de mãos dadas com os meus medos.

Sofria corredor polonês, os colegas baixavam a minha calça de abrigo na frente das meninas, ameaçavam me jogar pela janela do refeitório, me esperavam na saída para me bater em grupo.

Toda vez que eu apanhava por não obedecer aos padrões, apanhava por apanhar, apanhava não entendendo de onde vinha tamanha violência e ódio por mim, já que não tinha feito nada a não ser nascer e querer estudar, simplesmente não chorava porque contava com a escolta do irmão Rodrigo, o mais velho dos guris, o pai suplente quando o pai se separou da mãe.

Eu chegava em casa machucado. Ele me recebia em silêncio cicatrizante, me botava na cadeira alta da cozinha e se ajoelhava diante de mim em máxima humildade. Tirava as minhas botas ortopédicas, as meias, limpava as feridas com água oxigenada e passava mercúrio nos meus joelhos esfolados. Pintava a linha pontilhada dos meus machucados, como um desenho preenchido pela caixinha Faber Castell 48 cores.

Em seguida, soprava as feridas para não arder.
Lembro que ele me dizia:

— Estou soprando as velas de aniversário de sua coragem!

Ele não me defendia unicamente das agressões, ele me defendia dos meus próprios medos.

Publicado em Jornal Zero Hora em 15/08/17

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