BANHO DE CANECA
Texto de Fabrício Carpinejar
Arte de Eduardo Nasi
Quando o chuveiro estragava – e óbvio que estragaria com três irmãos mais os pais usando a todo o momento -, não havia conserto próximo. Era como obra de governo esperando licitação.
A água já vinha rala, em cinco filetes desmotivados, e ainda por cima chegaria fria em nossa pele. Não poderia continuar chamando de chuveiro, e sim de goteira. O ressentimento ganhava um aliado poderoso.
Parecia que tudo colaborava para o treinamento militar. O chuveiro estragado igual dava choque – apenas o choque não estragava.
A janelinha do banheiro estava trincada, permitindo uma fresta de vento bater em nosso rosto na hora do banho. Nem o papelão improvisado pelo irmão mais velho conseguiu bloquear a indiscrição do minuano.
Passei muito frio na infância, a ponto de até hoje tremer com a ideia de resistência quebrada. O chuveiro terminava sendo uma roleta-russa. Alguém pagaria o vexame de colocar o xampu na cabeça e espatifar os miolos de repente na água gelada.
A tática circense da família consistia em tomar banho de caneca. Ridículo, mas o desespero unicamente produz soluções ridículas.
A mãe esquentava uma chaleira, despejava num balde, e tínhamos que nos banhar com uma caneca de metal.
Havia uma ciência em se lavar daquele jeito, uma concentração para executar passo a passo.
O banho precisava ser rápido e fulminante. Pelava no início e tiritava no fim.
Uma caneca e pá: ensaboar o corpo inteiro, outra caneca e pá: tirar a espuma, terceira caneca e pá: aquecer o corpo, quarta caneca e pá: sair correndo e se meter na toalha. Lembro perfeitamente das quatro precisas e cirúrgicas canecas.
Não fui batizado uma só vez na igreja. O inverno gaúcho foi um São João Batista insistente comigo.
Publicado no site Vida Breve
Coluna Semanal
20.07.2016