BIGAMIA IMAGINÁRIA
Texto Fabrício Carpinejar
Foto Gilberto Perin
Quando você começa uma relação o hábito é comparar a atual com a anterior. Sempre existe um paralelo consciente ou involuntário: ela fazia isto, ela não fazia isto. É um cotejamento passional, nada reflexivo, impregnado de comentários irônicos tipo "escapei de uma fria".
A estratégia é fortalecer o romance que se inicia para os amigos e familiares e se recuperar do desgaste da recente imagem da separação, feita de brigas e chantagens.
Separar-se é o equivalente a perder uma eleição - assim como manter uma relação por mais quatro anos é tão difícil quanto ser reeleito. Não subestime o recalque das urnas amorosas e a aceitação amarga e inevitável do índice de rejeição. O comum é lembrar eternamente da derrota mesmo diante de outras vitórias.
Não tem muito o que fazer para evitar o paralelo. Amar de novo é sobreposição. Amar de novo é cicatrizar o orgulho ferido. Amar de novo é trocar o domicílio eleitoral e retomar o percurso em território desconhecido e hostil. Toda a intimidade que acumulou antes não serve mais para nada.
Representa um período de seis meses de bigamia imaginária, observando quem lhe acompanha e lembrando ao mesmo tempo de quem não está mais junto.
Alguns não aguentam e cometem atos falhos e liquidam relacionamentos promissores no nascedouro.
Não se envergonhe, portanto, da duplicidade. Entrará no jogo sujo da dor, repleto de inveja e ciúme.
Até porque só se descobre a autenticidade do amor depois da separação. Conviverá com pessoas mortas e vivas em seu coração e terá dificuldade para reconhecer quem desperta saudade ou culpa.
Você sofrerá rápidas e silenciosas recaídas, mas não confessará - serão
apertos, desconfortos, lembranças, para esvair completamente a ação do antigo relacionamento em seu sangue.
Dentro das palavras, viverá um duelo entre duas performances e atitudes. Realizará um balanço subterrâneo de quem é a melhor e se realizou a escolha mais acertada.
Paixão é quando você ainda compara, já o amor é quando a sua mulher torna-se incomparável.
Publicado em Jornal O Globo (blog)
Coluna Semanal
29.07.2016