BINGO!
Arte de Eduardo Nasi
Meu amigo está deprimido.
Ele jamais dirá que está deprimido, mas chateado.
Chateado é seu maior desespero.
Homem é repleto de eufemismos, de atalhos, de contenções.
Meu amigo jamais chora. Ele funga.
Fungar é seu choro. Fungar é o choro de todo macho.
Fungar é mais veemente do que a lágrima. É uma lágrima madura, que virou respiração de novo.
Meu amigo não fala direto o que incomoda, ele reclama do time, do trabalho, do tempo, para confessar a verdadeira tristeza apenas no finalzinho da ligação, daí ele se despede.
Nunca mais tocaremos no assunto. Mas ele conseguiu falar. Conseguiu dizer, e é o que basta entre dois homens.
Dois homens são amigos sem explicar suas dores.
Dois amigos se curam mais bebendo junto do que solucionando os problemas.
Meu amigo está deprimido, ele lembrou da infância. A infância é o esqueleto da voz.
Retornar à infância, boa ou ruim, é decisivo para qualquer homem.
Confirma o estado melancólico, é o pôr-do-sol da dicção do adulto.
Quando meu amigo evoca seus tempos de menino é que está derrubado.
Voltou a ser frágil, voltou a ser filho obediente do silêncio, voltou a chutar geada.
Ele me contou como entristeceu.
Estava jantando no refeitório da empresa, e passou a escolher os grãos de feijão quebrados para pôr na boca. Colocava os inteiros de lado, e devorava somente os amassados, murchos, quebrados.
Repetia gesto de criança, sua compaixão com o que era torto.
Ele me sussurrava ao telefone e fungava. Quando o homem fala baixo está gritando.
Ele recordou que ajudava a mãe a separar feijão no alguidar. E não descartava nenhuma das pedras. Nenhuma suficientemente defeituosa para o descarte. Porque as pedras pretas tinham um rosto.
Criança enxerga o rosto em tudo para ter companhia para chorar.
Ele me falava ao telefone e fungava. Suas pausas longas eram também palavras.
Depois jogava bingo com o feijão. A partida com os dois irmãos durava quarenta minutos. A mãe vinha e despejava o tabuleiro na panela.
Os mesmos grãos da brincadeira eram os grãos de sua fome.
Meu amigo passou a infância comendo sua sorte.
E, no fim, entendi que ele só estava com vontade de ganhar sua família de volta.
Ele jamais dirá que está deprimido, mas chateado.
Chateado é seu maior desespero.
Homem é repleto de eufemismos, de atalhos, de contenções.
Meu amigo jamais chora. Ele funga.
Fungar é seu choro. Fungar é o choro de todo macho.
Fungar é mais veemente do que a lágrima. É uma lágrima madura, que virou respiração de novo.
Meu amigo não fala direto o que incomoda, ele reclama do time, do trabalho, do tempo, para confessar a verdadeira tristeza apenas no finalzinho da ligação, daí ele se despede.
Nunca mais tocaremos no assunto. Mas ele conseguiu falar. Conseguiu dizer, e é o que basta entre dois homens.
Dois homens são amigos sem explicar suas dores.
Dois amigos se curam mais bebendo junto do que solucionando os problemas.
Meu amigo está deprimido, ele lembrou da infância. A infância é o esqueleto da voz.
Retornar à infância, boa ou ruim, é decisivo para qualquer homem.
Confirma o estado melancólico, é o pôr-do-sol da dicção do adulto.
Quando meu amigo evoca seus tempos de menino é que está derrubado.
Voltou a ser frágil, voltou a ser filho obediente do silêncio, voltou a chutar geada.
Ele me contou como entristeceu.
Estava jantando no refeitório da empresa, e passou a escolher os grãos de feijão quebrados para pôr na boca. Colocava os inteiros de lado, e devorava somente os amassados, murchos, quebrados.
Repetia gesto de criança, sua compaixão com o que era torto.
Ele me sussurrava ao telefone e fungava. Quando o homem fala baixo está gritando.
Ele recordou que ajudava a mãe a separar feijão no alguidar. E não descartava nenhuma das pedras. Nenhuma suficientemente defeituosa para o descarte. Porque as pedras pretas tinham um rosto.
Criança enxerga o rosto em tudo para ter companhia para chorar.
Ele me falava ao telefone e fungava. Suas pausas longas eram também palavras.
Depois jogava bingo com o feijão. A partida com os dois irmãos durava quarenta minutos. A mãe vinha e despejava o tabuleiro na panela.
Os mesmos grãos da brincadeira eram os grãos de sua fome.
Meu amigo passou a infância comendo sua sorte.
E, no fim, entendi que ele só estava com vontade de ganhar sua família de volta.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira