BOLACHA MARIA
Se você considera insuportável namorado que mexe nos seus seios como bolinha anti-stress, se você acha que é irritante o marido que belisca sua bunda, se você não esconde a raiva quando ele se esfrega com as panelas fumegando, ainda não parou para descobrir que o verdadeiro monstro é outro.
As atitudes acima são infantis, incômodas, de alguém que não leu Freud muito menos saiu da fase oral. É falta de cultura, não representa maldade. Nada que um curso de noivos ou reforço de auto-escola não o ponha no lugar. Não indicam o término do relacionamento. Não podemos afirmar que é a gota d'água, o colírio da raiva, o ponto final depois de tantas reticências apaixonadas.
O que não dá para aturar é homem que aperta a bochecha. Vai dar um beijo e estica com força os dois lados.
Ele ensaia um movimento romântico, você chega a fechar os olhos, supõe que irá segurá-la no ar como num tango e, de repente, vem o ataque ridículo do chocalho dos dedos.
A humilhação é inesquecível. Desmoraliza a delicada camada de creme da manhã. Estupra as covinhas do riso. Desencaixa a raiz do molar com o gesto aparentemente simpático.
De carinhoso, não tem coisa alguma. O que aperta uma bochecha merece castigo. O que aperta duas ao mesmo tempo não tem liminar, resta-lhe o despejo.
É o típico sujeito que assiste reprise de futebol (o que acompanha ao vivo não se enquadra como doente). Não é confiável. Não é flor que se cheire.
Flor que não se cheira é cacto. Você não tem um marido, mas um torturador de berçário. É a maior grosseria que existe na vida conjugal depois de palitar os dentes com garfo.
No momento em que o mastodonte pega sua pele, observe os olhos brilhando de arrogância. Repare que ele fará careta (não há como apertar a bochecha sem cara feia). Acompanhe o quanto se dispõe a testemunhar seu sofrimento. Exerce o sadismo em alto grau, não permite sequer que você vire o pescoço, inibe sua cabeça com determinação.
Pois ele está avisando na lata que sobra pele. Mostra exatamente o excesso, aponta com lápis o mapa do botox. Parece que encaminha amostra para análise do laboratório.
O que ele está dizendo é que você é fofa - podemos apertar a bochecha somente de pessoas fofas. O que ele está dizendo é que você é gorda – podemos apertar a bochecha somente de pessoas gordas. Extrapola qualquer ofensa, qualquer apelido, qualquer número errado de calça e de lingerie. Ele está falando - com todas as letras - que seu rosto é redondo. Como Bolacha Maria. Como um vinil. Como uma almofada.
Para garantir a emancipação feminina, necessitamos criar uma delegacia para atender vítimas de aperto de bochechas.
Publicado no jornal Zero Hora
Segundo Caderno, p. 3, 13/09/2010
Porto Alegre (RS), Edição N.º 16457
As atitudes acima são infantis, incômodas, de alguém que não leu Freud muito menos saiu da fase oral. É falta de cultura, não representa maldade. Nada que um curso de noivos ou reforço de auto-escola não o ponha no lugar. Não indicam o término do relacionamento. Não podemos afirmar que é a gota d'água, o colírio da raiva, o ponto final depois de tantas reticências apaixonadas.
O que não dá para aturar é homem que aperta a bochecha. Vai dar um beijo e estica com força os dois lados.
Ele ensaia um movimento romântico, você chega a fechar os olhos, supõe que irá segurá-la no ar como num tango e, de repente, vem o ataque ridículo do chocalho dos dedos.
A humilhação é inesquecível. Desmoraliza a delicada camada de creme da manhã. Estupra as covinhas do riso. Desencaixa a raiz do molar com o gesto aparentemente simpático.
De carinhoso, não tem coisa alguma. O que aperta uma bochecha merece castigo. O que aperta duas ao mesmo tempo não tem liminar, resta-lhe o despejo.
É o típico sujeito que assiste reprise de futebol (o que acompanha ao vivo não se enquadra como doente). Não é confiável. Não é flor que se cheire.
Flor que não se cheira é cacto. Você não tem um marido, mas um torturador de berçário. É a maior grosseria que existe na vida conjugal depois de palitar os dentes com garfo.
No momento em que o mastodonte pega sua pele, observe os olhos brilhando de arrogância. Repare que ele fará careta (não há como apertar a bochecha sem cara feia). Acompanhe o quanto se dispõe a testemunhar seu sofrimento. Exerce o sadismo em alto grau, não permite sequer que você vire o pescoço, inibe sua cabeça com determinação.
Pois ele está avisando na lata que sobra pele. Mostra exatamente o excesso, aponta com lápis o mapa do botox. Parece que encaminha amostra para análise do laboratório.
O que ele está dizendo é que você é fofa - podemos apertar a bochecha somente de pessoas fofas. O que ele está dizendo é que você é gorda – podemos apertar a bochecha somente de pessoas gordas. Extrapola qualquer ofensa, qualquer apelido, qualquer número errado de calça e de lingerie. Ele está falando - com todas as letras - que seu rosto é redondo. Como Bolacha Maria. Como um vinil. Como uma almofada.
Para garantir a emancipação feminina, necessitamos criar uma delegacia para atender vítimas de aperto de bochechas.
Publicado no jornal Zero Hora
Segundo Caderno, p. 3, 13/09/2010
Porto Alegre (RS), Edição N.º 16457