CASA ALUGADA NA PRAIA
Arte de John Banting
Não possuir uma casa no litoral tinha seu valor.
Nunca sabíamos onde passaríamos o verão.
Nem o paradeiro, muito menos o endereço. Dependia da finança paterna.
Quando sobrava dinheiro, rumávamos para Santa Catarina. Quando faltava, íamos pelas praias mais próximas, como Pinhal e Cidreira.
Era uma surpresa constante.
O pai arrumava as malas, ajeitava o caos no bagageiro, reclamava que não veria nada pelo retrovisor e não abria nenhuma informação do nosso destino. Ele nos levava no escuro até o local que escolheu.
Brincávamos de cabra-cega durante o percurso.
Onde será? Quantas quadras do mar? Toda casa que enxergávamos pela janela poderia ser a nossa.
Eu me emocionava só de imaginar, nem precisava acontecer.
Os pais preferiam alugar e eu também.
Porque despertava uma competição alegre entre os irmãos.
Quem ficará com o melhor quarto, a melhor vista, o melhor esconderijo?
A entrada pela porta gerava uma corrida desesperada de inspeção.
– É meu, é meu, é meu! – os quatro filhos subiam as escadas e apontavam sem parar.
Não olhávamos direito o conjunto, invadíamos cada cama com a sanha de Colombos, Américos, Cabrais da orla, descobridores de novas terras e civilizações. Com o grito, queríamos garantir a prioridade da escolha.
Não deveria ser simples distribuir os lugares. Desencadeava decepção e piquete:
– Mãe, não vale, pedi primeiro!
Nossa justificativa infantil estava estruturada em pedir primeiro e depois fazer manha.
Vinha um sentimento confuso e misterioso na hora de ocupar o imóvel. Bendito e maldito, prazeroso e melancólico.
Era entrar numa residência totalmente desconhecida e mobiliada. O aluguel apenas civilizava o nosso roubo.
Desfrutaríamos de 30 dias para encarnar uma segunda família, já que a nossa não havia dado muito certo.
Não tirávamos férias somente de espaço e de tempo, mas também de personalidade.
Experimentávamos uma decoração diferente, costumes diferentes, um arranjo doméstico diferente, de quem a gente nem ouviu falar.
A mãe abria as gavetas para avaliar os talheres, abria as despensas para julgar panelas e pratos. Quando reconhecia algo bom, exclamava:
– Nossa, vai facilitar a vida!
Tanto que não carregava meus brinquedos na viagem, com exceção da bola.
Encontrava bicicleta de pneu furado, baldes e geringonças de crianças no depósito.
Alugar residência na praia significava herdar a infância de um outro menino.
Fingia não ser eu, colecionava cartas, perdia tardes consertando jogos, esquecia o meu futuro cuidando do passado de alguém.
Mantenho esse esquisito e fascinante veraneio dentro de mim. Consciente de que o mar nunca foi meu, sempre tive que devolvê-lo quando chegava março.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°