COMO O HOMEM E A MULHER FALAM QUE BATERAM O CARRO
- Amor?
- O quê, como está o passeio, gostando?
- Sim, os amigos estão gostando bastante...
- O que foi? Tua voz está estranha.
- É que eu passei pelo Parcão, tomei chimarrão com Cássio e Helena no lago, está um dia ensolarado, lindo mesmo, muitas crianças brincando, uma alegria de árvore balançando, pena que não veio, conversávamos sobre a importância do bigode na construção de ditadores. Sem bigode, o homem deixa de ser tirano, não concorda?
- Concordo, há exceções barbudas, mas a barba não deixa de ser um falso bigode... Mas qual o problema?
- E também descobri que cachorro tem olhar de mendigo e gato de voluntário de uma ONG.
- Hahaha, só você para pensar isso.
- Entramos de volta ao carro e tomamos a Hilário Ribeiro, a Luciana de Abreu, eu tentei colocar Vitor Ramil no CD novo, não achava o buraco e queria manter o interesse deles pela cidade, falava e tentava encaixar o CD e segurar o volante, não podemos desperdiçar nenhum momento, nunca sabemos ao certo quando o casal de Sampa poderá voltar, né? Pena que não veio.
- O que houve?
- Eu me distraí um pouco e lembrava o Puppi Baggio, o restaurante que nos conhecemos, aquele em que pediu a garrafa mais cara da adega para me impressionar. Depois que o garçom abriu e tu provou os R$ 500 de sua conta, eu contei que não bebia.
- Hahaha, é verdade, a gente somente passa a amar quando os sonhos improvisam e mudam os planos.
- É isso que eu desejava falar, amor.
- O quê?
- Eu bati o carro!
* * *
Mulher nunca é objetiva, raciocinou Francisco, escutando o longo blábláblá ao telefone daquela senhora.
Manuela ligou para o marido e dizia coisas que não tinha conexão com o tenso momento, que poderiam ser postas de lado.
E Francisco estava louco para retornar ao Bom Fim, mas estava parado no meio da rua porque aquela mulher bateu de leve na traseira de seu Gol.
Como todo homem, odiava esse escândalo de parar o trânsito, as buzinadas, a curiosidade mórbida dos passantes. A vontade era gritar: - Não fui eu, pare de olhar! Porque todo homem teme que seja culpado por um acidente, parece que fere sua masculinidade, destrói sua reputação.
Ele pegou o celular, já estava atrasado para o encontro com Cris.
- Cris?
- Sim, tá chegando?
- Não, bati o carro. Vou resolver aqui e depois te conto.
Não sei o que é pior, a preliminar feminina para dizer que bateu o carro ou o jeitão direto e seco masculino que não explica mais nada e abandona o familiar com o coração na mão. Com o tutututu da chamada desligada.
(Textos gigantes de minha autoria foram espalhados por diferentes pontos de Porto Alegre e depois reunidos no livro "Conto a Céu Aberto" - Fiateci/Rossi)