COMO UMA NOTA DE TRÊS REAIS
Elogio, quando sempre, vira bajulação. Ternura, quando excedida, vira cinismo. Concordância, quando constante, vira sarcasmo. Aceitação, quando submissa, é indiferença.
Amizade é medida (já o amor é perder a medida).
Percebo quem é falso pela ânsia de agradar a qualquer custo. É um torturador pelo afago. Alegria se transforma em histeria; a espontaneidade, em afetação.
Não é um contato natural, mas uma negociação: a impressão é de que o outro, que não para de me reverenciar, está vendendo algo que não sei, algo que não estou vendo. É muita simpatia para nada. É muita camaradagem gratuita. É esnobar com uma nota de R$ 3.
Mantenho um pé atrás com quem é abusivamente açucarado. Evito quem é dado ao léu, antes mesmo de estabelecer intimidade. Gritinhos no “oi” apressam o meu adeus. Diminutivos esgotam a minha paciência.
Quem se aproxima querido demais falará mal de mim pelas costas. A traição está insinuada na atração artificial.
Não tenho dúvida. Acúmulo de gentileza é véspera de maldade, de oportunismo, próprio daquele que pretende enganar. Desconfio de quem chega com mimimi, só exaltando as minhas virtudes, concordando com os meus comentários. É característica de personalidade maquiavélica, porque me faz relaxar, confessar as dificuldades e abrir a guarda para tirar vantagem.
Não levo a sério quem carrega nos adjetivos, superfatura nas exclamações, endeusa nos cumprimentos. Amigo que se gosta vive se provocando. O que adula é um inimigo disfarçado.
Hipocrisia vem do exagero do perfume. O tipo busca dissimular a carência de banho com borrifadas, procura abafar a maldade e a inveja com o comportamento contrário.
Temo mais a chuva de confetes do que os relâmpagos e dilúvios.
A afetação me põe ressabiado. Não aturo a fala dublada – a impressão é de que falta a opção do áudio original. Parece que a voz vem de um ventríloquo. Parece uma tia chata interpretando as vontades de um bebê.
A pessoa se comunica miando, ganindo, arrastando as vogais. Força empatia, ri sem nenhuma piada, é solene sem necessidade.
Gente falsa é o mesmo que conversar com alguém fingindo o orgasmo em todo momento. Não tem como acreditar que algum dia será para valer.
Autenticidade implica alternância e até um certo mau-humor. Prefiro o ferrão ao mel.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°