Blog do Carpinejar

COZINHANDO PESSOAS

Pessoas que confessam suas vidas cedo demais são perigosas. Com certeza, estão mentindo ou o plantando cenários falsos para lhe prender.

A honestidade demora, a intimidade demora, os segredos demoram a surgir. Não é um processo que se faz sem transição e amizade.

Se alguém já abre o coração nos primeiros encontros, depois do sexo, não é empatia, atração fatal, cumplicidade instantânea. Você pode concluir que é o amor que aguardava ansiosamente pela invejável transparência, mas é encrenca. Duvide da intimidade à vista, grandes chances de se envolver com um maluco ou uma maluca ou um serial lover.

Quem tem necessidade de falar de cara está criando fatos e chantagens para enredar. São casados prometendo divórcio, são solteiros que usam o romantismo para transar em sequência com diferentes parcerias na semana.

Se existe demora para responder mensagens, se não acontece clareza do que está acontecendo, repare no início do contato, volte duas casas, veja se não houve uma catarse monumental das dificuldades de amar na mesa de bar.

O desabafo cria laços, inventa identificação e dá um tempo para a confusão. Parece um divã, porém é cama-de-gato.

Quando fica sabendo muito do passado do outro durante a aproximação, não existe futuro. Caiu numa arapuca psicanalítica, no xalalá freudiano.

Você pretende ajudar e ser compassivo, socorrer e acalmar e não questionou a duvidosa precocidade do drama. Nem está namorando e recebeu uma avalanche de problemas alheios a resolver ou se emocionar.

Algumas frases típicas da enrolação:

- Sofri muito na infância.
- Nunca consegui amar de verdade.
- Ninguém me entende.
- Acabei sendo maltratado pelos ex ou pelas ex.
- Eu me dediquei, e não fui correspondido.
- Procuro a minha cara-metade, a minha alma gêmea, ter um pouco de paz.

A terapia é a principal técnica empregada por homens e mulheres para deixar flertes na reserva e chamar quando tem vontade ou desejo.

Tratam-se dos canibais sentimentais, vivem cozinhando gente, sem nunca tomar partido ou engatar um relacionamento sério. Como avisaram de antemão de suas crises e de seus dilemas, não têm a necessidade de resolver nada. Pedem paciência, arrumam cenas para falta de confiança, somem para alimentar a culpa e assim vão levando casos adiante.

Publicado em O Globo em 14/02/2018

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