Blog do Carpinejar

CUIDADO COM O QUE ELA SONHA

Arte de Cínthya Verri


Brinco com a minha mulher de que, na hora do sexo, ela pede para acender a luz e sou eu que insisto para apagar.

Homem feio tem pudor. Vá que ela descubra com quem dorme.

O humor nos salva das grandes brigas. Só não consigo me livrar das pequenas, da ressaca de algumas manhãs. Tem dias que ela se levanta me xingando, me espancando com o edredon. Não entendo o que fiz. Vou apanhando antes de qualquer palavra. Acho que cometi uma barbaridade, tipo ter alucinado com outra ou trocar seu nome. Será que vacilei em voz alta? Eu nem me defendo, pensando que ela está certa mesmo. Quando não tenho culpa, pego emprestada a mais próxima de mim. Ou do estoque da infância, sempre cheio.

Mulher é vulnerável, suscetível, vive em estado de floração, se vê injustiçada por delicadezas que nem noto. Nunca fui bom no jogo dos sete erros. Basta uma expressão deslocada e ela chora compulsivamente, dizendo que não merecia tanta desconsideração. O grave é que desconheço a maior parte dos motivos do choro, preciso primeiro enxugar as lágrimas, acalmá-la e isso exige mais de quarenta minutos.

Ela estava uma fera comigo. Após ser sovado como uma broa, pulou da cama com a arrogância que apenas a tristeza dá. Não me encarava, virava o rosto. Segui atrás, ela bateu a porta do banheiro na minha cara e fiquei conversando pelo trinco.

— O que foi, amor?
— Me deixa em paz…

Já cogitava uma grosseria feita de noite. Mas me lembro que ficamos abraçados, gostosos, cheirando os olhos. Não havia lógica. Recapitulei o jantar com os amigos, arrecadei minhas principais participações, criei um balanço das contas linguísticas das últimas 24 horas. Nada que provocasse sua mágoa. Às vezes ela zoa, arma charme e vem com soquinhos nos meus braços comentando que não sabe o motivo de estar me batendo, mas que eu devo saber. Não era o caso. Parecia grave.

— Amor, me conta o que está acontecendo?
— Não quero, se eu conto você vai se defender…

Demorou o banho, o café, a saída apressada ao trabalho para descobrir a verdade. Fiquei tenso em vão, limpei o elepê de Cauby Peixoto para escutar de madrugada, preparei discursos inúteis de despedida.

— Pode desabafar agora?
— É que sonhei que estava me traindo. Tudo horrível.
— Mas não posso me responsabilizar por aquilo que sonha.
— Não tem ideia do que aprontou, por quê? Por quê?
— Estamos ótimos, é um sonho, não aconteceu.
— Aconteceu sim, da próxima vez peço para me cornear em seus sonhos, não nos meus.

A vida é injusta. Não tenho como apagar a luz dentro dos pesadelos dela.



Crônica publicada no site Vida Breve

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