DA PAIXÃO AO DESENCANTO
O Uber e Porto Alegre é um típico caso de paixão que não vem vingando depois que a relação ficou séria no facebook.Sabe aquele namorado
que faz tudo durante os três primeiros meses para conquistar e logo retira os agrados assim que passa a morar junto?
Quem não conhece esta história? No princípio é o homem dos sonhos, para casar e ter filhos. Compra flores, puxa a cadeira, esbanja educação e paciência, presenteia a sogra, arruma jantar com vinho e luz de velas, prepara surpresas e espalha declarações pelos cantos secretos da convivência. É começar a namorar e sentir que conquistou definitivamente a pessoa que a performance some e surge o ogro monossilábico, egoísta, desprovido de comoção e gentileza.
O Uber foi assim na capital gaúcha: prometeu mundos e fundos no começo apaixonado e perdeu o interesse quando a convivência normalizou. A sensação é que desejava sexo e fingiu que amava. Cometeu uma descarada propaganda enganosa.
No início, há três meses, era somente Uberblack, carros de quatro portas e bancos de couro. Não era um motorista, mas um chofer tamanho o cuidado com a aparência. Cavalheiro, comedido, trabalhava de terno e saia do seu lugar para receber o cliente.
Só vinha carrão como Sedan, Toyota Corolla, Honda Civic, Azera e Sonata. Apesar do luxo e do conforto, os preços acabavam sendo mais baratos do que o táxi. Não havia como não se maravilhar e não disseminar o serviço adiante.
Hoje o que aparece no Uber (conhecido como UberX) é
Ford Ka, Fiat Palio, Renault Clio e Gol, carro apertado que você vacilaria em entrar até para tomar carona. Os motoristas estão vestidos de qualquer jeito, alguns vem de bermuda. Pararam de oferecer balas e água. Já vi veículo chegar todo adesivado com Herbalife. Alguns surgem com cinto frouxo e ar-condicionado pifado. A rapidez de atendimento, de no máximo cinco minutos, decaiu, motorista aceita nova corrida quando nem finalizou a anterior. De semelhança com o período de estreia, apenas a voz feminina do Waze.
E, para piorar, inventou-se a tarifa dinâmica, onde a corrida, dependendo da procura, pode sair três vezes maior do que o valor normal. É uma roleta russa, não tem como prever quando vai pipocar em seu aplicativo. Desse jeito, uma viagem do bairro Petrópolis ao aeroporto que custaria 27 reais em um táxi é 37 reais pelo Uber.
Acho que o Uber acredita que o porto-alegrense é um otário e que não notou o fim do romance. A tendência é voltar para o antigo relacionamento.
Publicado no Jornal Zero Hora
Coluna Semanal
18/10