DAR A SOMBRA
Arte de Hannah Hoch
Pouco se fala da depressão pós-parto masculina.
Existe um medo de tocar no assunto. Como se fosse folclore e exagero. Mas é grave e desconfio que atinja 30% dos casados.
Todos temos um amigo que pulou fora de uma relação no momento em que virou pai. Antes de supor que é safadeza, talvez seja necessário reconhecer que é uma tendência perigosa.
Muitos pais não suportam o nascimento de seu filho. Muitos pais terminam o casamento quando o bebê ainda nem completou um ano.
Não é desamor, porém receio de não corresponder às exigências e frustrar os planos de família perfeita.
O homem se enxerga preterido pela sua mulher, substituído pela criança.
Alguns dos sintomas mais comuns são tristeza, desvalia, culpa, distúrbio de alimentação e de sono, irritabilidade, sensação de incompetência, anedonia e isolamento social.
É um mal silencioso, já que teoricamente ele não pariu seu filho. Mas o fato de não contar com uma gestação no corpo faz com que a mudança de realidade seja ainda mais abrupta e violenta. Ele não se preparou para ser coadjuvante.
Acostumado à exclusividade da atenção durante o namoro e casamento, não se encaixa no rearranjo de forças domésticas, onde é obrigado a largar o cetro emocional e assumir uma condição de penumbra e de apoio.
Agora ele ajuda, não provê. Agora ele colabora, não ordena. Agora ele participa, não decide. Agora ele observa, não age.
A mulher conserva o hábito ancestral de ouvir e atender pedidos, o homem não, quer falar acima de tudo. Na sua concepção, falar é ser. Infelizmente desconhece a zona privilegiada de admiração e aprendizado pela escuta.
A mulher tem maturidade para desaparecer e voltar, o homem não. É altamente carente e não admite sumir por um tempo, não respeita períodos de exceção e de maior cansaço. Não aceita sequer a queda do rendimento sexual do casal.
O problema é que ele não cobra o desconforto, não expõe suas fraquezas e dúvidas, e sim procura imediatamente outro relacionamento, sem nenhum dos novos encargos e responsabilidades. A infidelidade é sua saída de emergência, por absoluta incapacidade comunicativa e vergonha dos sentimentos.
Não é mesmo uma tarefa fácil. Natural escolher a fuga da realidade a admitir ciúme do próprio filho.
O período esplendoroso de descobertas do primeiro ano do rebento costuma ser o apogeu das separações: logo quando o pequeno começa a sorrir, a balbuciar, a engatinhar, a reconhecer a mãe.
A Renascença de gestos e fotografias infantis é a Idade Média do macho.
Na mentalidade do marido ou namorado, ele permanece trabalhando loucamente, só que desprovido das recompensas afetivas. O mimo e a dedicação estão totalmente concentrados no berço. O sujeito chega em casa e não vai relaxar, não será mais recebido com alarde e festa. É apenas mais um dentro da residência, e deve entrar na escala de horários de cuidados ao nenê: dividir a ronda, trocar as fraldas e aquecer o leite.
A situação piora se o homem percebe sua esposa como uma segunda mãe. Apesar do aparente discernimento adulto, ele sofrerá aquela inveja aguda que assola um irmão com a vinda de mais um herdeiro.
Mulher tem depressão pós-parto após dar luz ao seu bebê, e o homem tem depressão pós-parto ao dar a sombra ao seu bebê.
COLUNA "LUNETA MÁGICA"
Fabrício Carpinejar, 40 anos, descobriu a receita da felicidade: sempre é aniversário quando acorda. Assim também nunca erra seu nascimento. Pai de dois filhos (Vicente e Mariana), autor de 22 livros, já ganhou os principais prêmios literários do país, como Jabuti duas vezes, Associação Paulista dos críticos de Arte e Olavo Bilac da Academia Brasileira de Letras. E-mail: carpinejar@terra.com.br
Minha estreia como colunista da revista Pais & Filhos
P. 100, Março 2013, Ano 44, 516