Blog do Carpinejar

DEI A MINHA METADE DA LARANJA

Quando decidi me casar na igreja com Beatriz, não estava realizando um capricho meu ou dela, tínhamos a convicção de que seria um gesto para toda a vida. Pois, no religioso, só se casa uma vez.

Naquela hora, estávamos assumindo um compromisso para o resto de nossos anos. Um laço pensado, pesado, sério, infinito. Sem possibilidade de recuo. Sabíamos que não podíamos nos enganar.

Não era um jogo de cena ou uma demonstração de poder, pelo contrário, correspondia a uma definição de humildade: não importa o que aconteça de errado ou de ruim na relação, não usaríamos mais a porta da rua para resolvermos os dilemas. Terminar não existia mais como saída fácil das crises. Ninguém nos obrigava a nada, elegemos um e o outro como vocação e também trabalho: tornar-se o melhor possível.

O matrimônio nos impedia claramente a infidelidade, estabelecia a concordância da monogamia, a recusar o envolvimento com pessoas diferentes, a alimentar o prazer egoísta, a mentir os pensamentos e desejos. Não saciávamos um dos objetivos da vida, como plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Não nos iludimos pela paixão, a ponto de apressar o altar e aprisionar os nomes na certidão do cartório.

Queríamos aquilo, queremos aquilo, é a nossa constante liberdade. Vou envelhecer com a Beatriz, vou prosseguir ao seu lado para sempre, dia por dia, por mais que poucos acreditem no amor eterno. Basta apenas que eu e ela acreditemos.

Não trocamos uma promessa, porém antecipamos a nossa realidade das próximas décadas.

Casar não é uma leviandade, uma aposta com o destino, uma aventura bêbada a Las Vegas, com direito a arrependimento, ressaca e pedido de desculpa. Não dá para dizer depois que foi mal. Talvez seja a grande responsabilidade da experiência adulta, porque ela me concedeu a maior parte da vida dela, o que não é pouca coisa. Mantenho em minha mente o alto valor de sua companhia. Ela poderia permanecer sozinha, divertindo-se com a sua rotina, mas confiou a mim o poder de seu futuro. Assim como realizei a mesma renúncia das distrações pela fé em comum. Preciso ser atento o dobro do que eu era para não fazê-la infeliz e ressentida. Que, daqui a trinta anos, ela se recorde da opção acertada de me eleger entre tantas alternativas que contava para ser feliz.

É costume o solteiro brincar que busca a sua metade da laranja, mas ninguém pretende descascá-la para o outro. Ninguém pretende sujar as mãos. Pode ser tangerina, e o carinho de abrir a casca de cheiro forte e repartir os gomos, com o capricho de tirar os fios da parte branca. Pode ser maçã, e o desenrolar da casca espiralada com a faca, tendo o cuidado de retirar as sementes.

Dê a metade de sua fruta, em vez de ficar procurando a outra metade. Casamento é dividir o que se tem, multiplicar o suco no beijo. A árvore crescerá de novo e de novo dentro do coração do casal, se a palavra não foi da boca para fora, se a palavra tinha raiz.

Crônica publicada em 10/6/2018

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