DESATINO ESSENCIAL DA PAIXÃO
Arte de Eduardo Nasi
A paixão é um porre.
Ninguém mantém suas atitudes, conserva suas latitudes.
A paixão é uma pane.
Só vai conquistá-la a partir de constrangimento público, chamando seu par para dividir um vexame.
Terá que convidá-la a dançar na rua sem som nenhum, ou gritar seu nome desesperadamente na parada do metrô, ou beijá-la no meio de um bar como se não houvesse gente alguma querendo passar pelos corredores.
É necessário escandalizar os passantes, é necessário um público incrédulo e invejoso que não entenda o que vocês estão fazendo.
Ambos andarão na contramão da hora e do espaço, isolados na própria alucinação, resguardados pela onipotência do desejo.
O desatino é o pedágio da conquista.
Você vai se ajoelhar numa faixa de segurança, pedir esmola para bancar o engraçado, criar diálogo de marionetes com cachorros-quentes.
É estranho concluir que nos habilitamos para o relacionamento sendo inconsequentes. O conservadorismo não tem chance. A caretice não merece sala.
No amor, podemos pedir a mão ao destino. Na paixão, pedimos a mão dela para mergulhar no abismo.
Será um rompante que sustentará o futuro, determinará o súbito endividamento do passado.
Você pode encarnar um tipo educado, culto, estável, sensível, nada disso contará a seu favor.
O que arrebata a mulher é o quanto pode enlouquecer por ela.
É um desvio de seus bons modos, uma coragem inusitada, um apelo à espontaneidade que definirá o namoro.
Você pode ser o mais retrógrado dos mortais, mas apaixonado sairá da linha e cometerá uma imprudência. Mesmo que seja a única de sua vida.
Todos os casais guardam o dia em que se decidiram um pelo outro. E é sempre uma sandice que será lembrada com orgulho, marcará o motivo de estarem juntos até hoje.
Representará a demonstração de seu desprendimento, um duelo onde a palavra venceu a aparência e a irreverência superou o julgamento moral.
Paixão é quando dissemos: dane-se o mundo, e sigamos com o nosso instinto. É uma breve e inesquecível alforria dos olhos.
Você nadará nu numa piscina, descerá as trilhas de uma floresta no escuro, cantará músicas francesas no muro do viaduto.
É o momento em que os dois provam que estão preparados para a maior loucura que um casal é capaz de experimentar dali para frente: dividir normalidades.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira