DESPRETENSIOSA BLUSA AZUL
A mulher não decide tudo de uma vez, mas nunca deixa de decidir.
Segue a vida por capítulos. Acompanhar seu raciocínio é entender que o dia de hoje será completado amanhã. Atende outro calendário, talvez o dos maias ou dos incas. Não arrisque bebê-la de um gole. Muito menos lento demais.
Não é como o homem que toma atitudes definitivas a cada manhã para sofrer em seguida e remoer o orgulho em silêncio. Ele não pretende justificar suas escolhas. A mulher não cansa de explicar para desvendar novos motivos.
Eu sei como minha namorada funciona. Uma simples compra de uma blusa azul não é simples. Não comprou porque desejava, e sim porque estava nervosa, ansiosa, excitada com o excesso de trabalho. É, da alma feminina, encontrar um pretexto para a compra. Ainda não escutei de nenhuma amiga que levou por levar.
Além das sacolas, carrega a culpa de sua beleza. Precisa revestir o ato de uma nobreza maior, orná-los de um sentido existencial e messiânico. Declara-se vítima duma vontade indomável, dum contexto irreversível. Será uma reunião importante, uma apresentação difícil ou até uma dívida. Compreenda, a mulher é a única que se cura das dívidas gerando mais dívidas.
O consumismo não é objetivo como na visão viril, é terapêutico pelas gentilezas envolvidas, haverá uma atendente passando a roupa por cima do provador e elogiando suas medidas.
Toda mulher bem que tentará achar algo que demore muito para estragar. Como se a duração compensasse o investimento. Cobiça uma roupa que possa usar inúmeras estações. Mas é apenas uma justificativa para seguir com a compra, pois ela irá adquirir do mesmo jeito, sendo uma extravagância ou uma urgência básica. Herdou da mãe a fascinação pelos artigos duráveis e sofisticou o raciocínio a seu favor. Entra na história a questão da marca. Optará por um produto mais caro, com a alegação de que não envelhece. Sua teoria desembocará, em alguma hora, na relação custo-benefício, acrescida de evocação pessoal.
- Lembra daquela minha calça preta, que levanta a bunda e você adora?
Não adianta inovar. É só uma resposta para permanecer junto.
- Sim, eu lembro.
Ela se enche de autoridade:
- É dessa grife, tenho há cinco anos, dura até hoje.
Refere-se a um argumento implacável. A malandragem é empregar uma preocupação antiga e tradicional, uma missão familiar de economia repassada de geração a geração, para acessórios dispensáveis. Complicado definir o que é essencial, é do feitio da mulher julgar nada dispensável, por isso o homem ainda permanece vivo.
Eu falei que sei como Cínthya funciona. Ela, portanto, comprou uma belíssima blusa azul. Não pegou para completar um conjunto em casa. Bendita ilusão. Foi o primeiro degrau de várias escadas rolantes.
Amornou o assunto por uma semana quando acordou de repente afirmando que não existia modo de vesti-la sem um scarpin da mesma cor. Lamentava o desperdício, o tecido parado no armário. Antes ela julgava uma loucura comprar uma blusa azul, agora loucura era não comprar seu complemento. Da falta de necessidade, criava necessidades. Bingo, é o maior golpe de estado armado para cima de mim.
Eu absolutamente não sei como minha namorada desliga. Nem faço questão.
Publicado na revista Shopping Life
Porto Alegre (RS), abril 2010