DIAS NULOS
Fabricio Carpinejar
Arte de Eduardo Nasi
Há dias em que você não existirá. Empate sem gols, público vaiando; céu nublado sem sol e estrelas, abafado.
Dias em que não fará nenhuma diferença acordar. Nada dará certo. Nada vai funcionar. Nenhuma palavra trará descanso. Nenhuma atitude será compreendida.
Dias de exorcismo e penitência. Só rezará para que termine logo. Não contará depois em seu calendário, não aparecerá em sua trajetória como tempo de serviço.
Serão dias descontados por Deus no final.
Há dias em que desaparecerá, que passará o tempo inteiro resolvendo um problema que não criou e que é mera vítima. Não há como combater o mal silencioso. É a esposa que decidiu que você não é amoroso, é um colega que colocou a culpa em você por uma tarefa malfeita, é um amigo que ficou ofendido com uma piada, é um familiar que coloca para fora um trauma antigo. Discutirá horas a fio no telefone, suspenderá reuniões, queimará a agenda, almoço e jantar desaparecerão do cardápio. Restaurar a paz dependerá de uma longa guerra de nervos. Ou seja, sofrerá o maior estresse para reconquistar o que já tinha antes.
A luz vem torta e não se endireita por mais que demonstre paciência e generosidade. A educação é um amortecedor da queda, não impede o tombo, apenas suaviza os ferimentos.
É o dia fatídico em que não cumprirá aquilo que determinou na noite anterior. Viverá se explicando e justificando o seu valor.
A pedra enfileirada do dominó escapou da fila indiana levando todas as pedras organizadas da mesa. Se o liquidificador quebra, a máquina de lavar e de secar estragam juntas.
Aceite que dói menos. É um excesso de azar que se assemelha a maldição. Alguém bate em seu carro por bobagem, arranha na verdade, você não é culpado, mas sacrifica o trabalho, corre atrás de três orçamentos em diferentes oficinas e ainda precisa torcer para que o causador do acidente assuma a responsabilidade.
Ou esquece simplesmente de pagar a conta da luz – esquecer não, caiu do débito em conta – e é premiado com o escuro por 48 horas, precisando tirar segunda via e aplacar o olhar interrogador e desconfiado dos filhos jurando que você faliu.
Prepare-se para não existir alguns dias. Nem sempre a vida é nossa.
Publicado no Portal Vida Breve
Coluna Semanal
02.11.2016