DIZEM QUE SOU LOUCO
Foto de Fernando Gomes
Todo baralho de tarô e toda cidadezinha do interior tem seu louco.
Alguém que fala alto nas esquinas, conversa com os postes, recolhe objetos perdidos, guarda os segredos mais tórridos. Aquele que tudo enxerga e nada fala.
Louco é um tipo alegre, irreverente, não necessariamente doente.
Ibirubá, município de 19 mil habitantes, distante 300 quilômetros da capital gaúcha, já escolheu seu personagem de estimação, seu porta-voz mambembe e folclórico, o Macaco.
– Viu o Macaco por aí?
– O Macaquinho?
– Sim, viu?
– Ele passou há pouco.
Macaquinho sempre passa. É o relógio dos lojistas, a referência da manhã e da tarde. Seu itinerário regula o expediente do comércio.
– Sei da hora do lanche quando ele atravessa a frente da loja – comenta Júlia Amaro, que trabalha na autoescola Jeremias.
Com um boné preto e sua calça furada, é um rapaz que não descansa um minuto, vive caminhando, assentado em bares, entretendo pombas, rindo à toa, assobiando árias esportivas.
– Mostra o que é a felicidade, o que é amar a vida sem preocupação. Tem toda a minha inveja – pontua Gabriela Castelli, 25 anos.
A irmã Viviane Castelli concorda:
– Não é o louco que nos incomoda, é o louco que nos devolve a saúde.
Macaquinho é o apelido de Luís Alfredo Pereira Lopes, 30 anos, locutor oficial das ruas do centro. Ele narra partidas imaginárias do clássico trepidante da liga municipal de futebol, Florestal versus Revelação. É um duelo infinito, borgeano. São horas ininterruptas de gols, pontapés, cartões amarelos e vermelhos, chutes na trave e descrições detalhadas das batalhas da várzea.
Tudo é gritado com um palito Gina na boca.
– É meu sistema de limpeza do som – explica.
Luís nunca olha para cima, ou enverga o pescoço ao céu. Não significa timidez; é parte de sua conduta profissional. Uma distração pode custar a fome do pai Pedro Campos. Varre as bocas-de-lobo com suas havaianas surradas à procura de latas. Recolhe 40 latinhas por dia, o que rende R$ 2,50, dinheiro suado do pão que leva para residência à noite.
– Como o corneteiro do sorvete, primeiro vem sua voz para depois chegar seu rosto – afirma o produtor Mauro Constantino.
Macaquinho é precavido. Não acredita em Deus, mas comparece na missa.
– Vá que Ele exista... Pelo menos o Tio me conhece. Mais fácil de me perdoar.
Decidido, ainda espera realizar sua maior aspiração: arrumar uma namorada e beijar na boca. E talvez seu sonho: andar de mãos dadas na praça.
– Não espero uma mulher bonita, e sim honesta, que não me dê guampa – confidencia.
– Macaco não tem a chave da cidade, mas a porta inteira. No final de semana, é meu marido localizá-lo que ele já se torna o nosso convidado para o churrasco. Isso é muito comum, ele é da família de todas as famílias – afirma Aline Fernandes, 34 anos.
Sobre sua loucura, Macaquinho não nega fogo:
– Normal é aquilo que nos acostumamos. E sou um costume do sol.
Não é que ele tem razão?
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 21, 23/04/2011
Porto Alegre, Edição N° 16679
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