Blog do Carpinejar

DOMÉSTICA

O olhar dominante é sempre o do patrão.

A história que fica é a versão de quem paga, não de quem recebe.

Não há empatia com o outro lado da vida.

O quanto sofre uma empregada doméstica, por exemplo, com filho pequeno.

Ela precisa esconder a sua criança como quem disfarça uma gravidez para sempre.

É capaz de preparar almoço e jantar para os filhos de seu patrão, arrumar a cama, lavar os quartos, desmontar a bagunça, recolher as roupas no chão, dedicando todo o tempo para cuidar de uma família estranha, enquanto está forçosamente longe de suas próprias crias. Ou alguém acha que ela não gostaria de estar fazendo isso para o sangue de seu sangue?

Não pode trazer os seus problemas pessoais para o emprego. Ai, se comete a indelicadeza de confessar que tem uma biografia fora dali. Ai, se mostra a foto do filho no celular para o contratante. Ai, se diz que vai se atrasar porque o filho está com febre. Ai, se confessa saudade.
Ai, se partilha aflições financeiras e emocionais. Ai, se explica que não consegue agendar consulta no SUS.

Ela deve ser invisível, cumprir as tarefas, rezar para que nada suma do lugar e não ser culpada.

Que inferno de existência é essa?

E jamais apagará o mal-estar de quando é obrigada a trazer o filho para o emprego. O filho é trancado na cozinha. Não tem nem status de cachorro. Ele não pode comer na mesa da sala, não pode mexer nos brinquedos, não pode rir alto, não pode se deitar no sofá com o controle remoto da televisão, não pode abrir salgadinhos e bolachas recheadas, não pode pular na piscina, não pode se divertir correndo pelos corredores, não pode se sentir à vontade para não soar como abuso. Não desfruta de nenhum direito, é automaticamente empregado junto, um pequeno escravo das convenções sociais. Se transmitir a sensação de férias e de prazer, ela será advertida. Se algo surgir quebrado, não terá advogado de defesa.

Os preconceitos moram no coração dos hábitos. A divisão de classes está na divisão das histórias. Ninguém presta atenção na angústia daquele coração materno. A insalubridade emocional não aparece na carteira de trabalho.

Publicado em Jornal ZH em 20/3/2018

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