DUAS CAMAS DE SOLTEIRO FORMAM UM CAVALHEIRO
Arte de Eduardo Nasi
A privação cria um cavalheiro.
A renúncia prepara românticos.
O egoísta jamais será educado. O narcisista jamais será educado. O megalomaníaco jamais será educado.
A virtude masculina consiste em ser o segundo, em vir depois, em não priorizar os próprios luxos.
Quem procura se beneficiar antes não será um macho de verdade. Sempre vai abandonar ou fugir de um romance.
Amor é ter altivez dentro da humildade. É ceder sem medo de existir.
Homem que nunca lavou louça não saberá o que é se cortar no amor. O homem que nunca cozinhou não saberá o que é se queimar no amor. Homem que nunca passou roupa não saberá o que é rasgar uma promessa.
Só podemos oferecer o que somos. Só podemos imaginar o que um dia tentamos.
Nas pequenas tarefas, surgem os grandes maridos. Não subestime a epopeia da banalidade.
É difícil ser gentil. A gentileza é uma coragem, um refinamento da experiência. Árduo quem não depende do medo para ajudar, quem oferece o que tem antes que alguém precise.
O heroísmo amoroso começa na adolescência. Exatamente quando o jovem dormirá pela primeira vez com a namorada em seu quarto e decide juntar duas camas de solteiro.
Ali nasce a delicadeza no rosto barbudo. Ali germina a sutileza na feição baldia.
A cena fundadora do lirismo viril reside no momento em que o homem abandona o posto de filho, de dependente, e assume a independência de cuidar do outro.
Não há nada mais comovente do que um garoto que adormece no meio da madeira para permitir que sua amada durma no canto acolchoado.
É um gesto carinhoso de fazer e não falar. De zelar e não cobrar na manhã seguinte.
Diria que é neste instante que o adolescente se torna adulto.
Ele disfarça a dificuldade material com seu gesto, contorna sua pobreza com ternura.
Não está se destacando nem aparecendo. De modo inédito, mergulha na sombra, conhece o valor da retaguarda, sofre calado para não vê-la sofrer.
Com seu corpo, cobre o descompasso, o desnível, a divisão entre os dois colchões.
Não reclama da frieza da brecha, não lamenta as dores nas costas.
O que valoriza é estar junto, respirando perto, soprando os sonhos para o mesmo lado.
Um homem se mostra sensível quando não pensa somente nele, e passa a levantar de sua nudez uma ponte dos suspiros dela.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira