DUPLA SERTANEJA DE UM HOMEM SÓ
São Leopoldo é uma cidade grande com espírito interiorano.
Apesar dos 210 mil habitantes e da proximidade com Porto Alegre, a fofoca é notícia, os motoristas dirigem lentamente na Independência para desfilar e olhar as moças, o futebol de várzea é uma guerra de torcidas organizadas, o almoço no Clube Orpheu é programa obrigatório familiar, ainda se discute política no Bar Senadinho.
O tempo anda rápido na aparência dos imóveis, mas é lento por dentro das pessoas.
Quem vem de longe já se torna capilé no primeiro dia. Não precisa nascer no Hospital Centenário, basta ter vontade de ficar. Talvez seja o município mais maternal do Estado. Um pouco pela força das instituições religiosas como Escola Superior de Teologia e Unisinos. Um tanto pelo significado acolhedor de sua origem: berço da colonização alemã no sul do país, em 1824.
Qualquer morador que aparece é um novo imigrante. Sempre bem recebido.
Lázaro Francisco da Silva, 48 anos, é o mais irreverente filho adotivo.
Natural de Cassilândia (MS) e leopoldense desde 1986, chama atenção pela maneira nada convencional para divulgar suas músicas. É uma estação pirata no dial das ruas.
Às quartas-feiras e aos sábados, circula com uma bikelete adaptada ao escândalo. Percorre 40 quilômetros numa tarde. Não há como não enxergá-lo ou ouvi-lo.
A bicicleta tem motor de moto, caixa de 10 decibéis, mesa de som e luzes coloridas. Os feirantes de fruta são suspiros de inveja.
– Faço mais barulho do que brinquedo de bebê – afirma.
Jallapão – seu apelido é uma homenagem ao Parque de Tocantins – pedala, canta, pensa e masca chiclete. É a prova de que a ala masculina pode realizar duas coisas ao mesmo tempo.
Com camisas sobrepostas e chapéu de sertanejo, atua como um DJ do trânsito.
Curiosos confundem sua figura com serviço de mensagens de aniversário e pedem emprestado o microfone para mandar recados ao namorado ou namorada. As crianças o tomam por animador e entoam refrãos do jardim da infância. Há momentos de intenso assédio e ele não tem fresta para cantar seu repertório e vira um programa gratuito de karaokê.
Lázaro sofre para comercializar seu CD Só a semana que vem, que reúne 20 canções das 270 que compôs na vida.
Como o disco não vendia, tentou diferentes estilos: cômico, romântico, gaudério. Como continuava não vendendo, criou uma revista para encartar as letras, aproveitando suas experiências com o design gráfico e serigrafia.
Como o disco teimava em não vender, decidiu partir para o corpo-a-corpo. Até hoje não vende, e não tem mais nenhuma ideia.
O sucesso não lhe dá carona. Muito menos aceita carona de estranho.
No fim, negocia três produtos por dia, o equivalente a R$ 18, o que não cobre o investimento de R$ 6 mil na reforma do veículo.
Sequer conta com o apoio familiar. A esposa Neide e a filha Bárbara acham o equipamento um fiasco desnecessário.
Conhecido pela algazarra e festa, Lázaro é outro quando retorna das andanças musicais.
– A ida é a alegria da esperança, a volta é a tristeza da solidão – poetiza.
Ao atravessar a Ponte 25 de Julho, engole o choro. Não sabe se a estiagem vem dele ou do Rio dos Sinos.
Entra, silenciosamente, pelo portão de sua casa na vila Santo Augusto; o motor e os faroletes apagados.
É um tenor sem orquestra. Uma dupla sertaneja de um homem só.
– Meu maior fã sou eu – confunde-se.
Procurava dizer que ele era seu maior ídolo.
Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
ps. 32, 15/01/2011
Porto Alegre, Edição N° 16581
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