Blog do Carpinejar

É DAS CRIANÇAS O REINO DOS CÉUS

Arte de Cínthya Verri


Eu vi o umbigo de Cínthya brilhando na praia, com o rescaldo do protetor. Era lindo. O círculo perfeito, como uma laranja oferecendo seus gomos lânguidos, como um ouvido e seu brinco perolado, como uma concha cintilante de espuma. O cálice de ouro da Herbelle que o pai não permitia usar.

Fiquei com vontade de recitar o Cântico dos Cânticos. E beber caipirinha de vodka no umbigo. Embriagar-me; um Salomão do litoral gaúcho.

Aproximei meu braço vagarosamente em sua direção, com o dorso inofensivo da mão, descendo dos seios até a cintura.

Quando entrava em suas cobiçadas bordas, ela soltou um grito. Por pouco, não recebi uma bofetada para alegria da indiscrição praiana. Foi um beliscão. O beliscão é uma agressão infantil, um tapa introspectivo.

“Nunca mais toque aqui!”, ela advertiu. “Nunca mais ou acabou nossa relação.”

Eu me assustei, cavei um buraco na areia para me esconder como uma tatuíra. Nem discuti, muito menos argumentei. Sondei que fosse um trauma. Ela agiu com uma tal sanha que pareceu que tinha cometido o mais grave pecado matrimonial. Algo óbvio, unânime, básico, tipo roubar ou matar. Talvez fosse uma nota de rodapé dos dez mandamentos.

Como não me ensinaram isso na educação sexual na escola, bem que a professora poderia ter me avisado no momento em que colocou uma camisinha numa banana catarina? Como não me alertaram no curso de noivos? Como o padre não me disse, antes do sim definitivo: não coloque o dedo no umbigo dela e será feliz!

A mulher não admite marmanjo manuseando seu umbigo. É molestá-la, pior do que passar a mão em sua bunda ou assoviar barbaridades na rua. É uma afronta ao narcisismo, passível de divórcio. Entra na categoria de abuso, de assédio moral.

O umbigo é o ponto de hibernação da feminilidade. É como mexer em sua bolsa, em sua nécessaire, em seu estojo de pintura.

Cabe ao esposo ser um voyeur, chupar os dedos, admirar de longe.

O reino dos céus do umbigo da mulher é restrito aos filhos.

Diante da curiosidade dos pequenos, ela facilita o acesso. Para o marido, o umbigo é pântano com jacarés esfomeados. Para o filho, é uma piscina natural, uma duna para descer de prancha.

Acolhe a pureza e a ingenuidade de sua criança. Deixa o moleque brincar, espiar, instalar uma plataforma de petróleo. Não espantará o rebento com ameaças. Explicará a origem do mundo com serenidade amorosa.

A concavidade demarca um elo exclusivo da maternidade. O filho continua preso ao cordão umbilical. Por todos os tempos. Já o homem, mesmo que seja seu homem, é um tarado com segundas intenções.



Crônica publicada no site Vida Breve

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