Blog do Carpinejar

ELE? EU!

Arte de Philip Guston


Haverá um período em que o filho vai cansar do que representamos. É tão cansativo concordar sempre, tão chato alguém que tem sempre razão. Ele irá combater a nossa figura com a ironia que dispõe, porque acredita que temos culpa naquilo que ele está sofrendo.

A relação filial depende do término da idealização. Não somos os melhores pais do bairro, somos os pais que podemos ser.

É o que chamo de fim do feitiço do bebê, daquela relação harmoniosa de que o pai e o filho são a mesma coisa.

O desencanto virá, é uma previsão inadiável, surgirá com o nosso desemprego ou quando nos separamos ou quando cometemos uma deselegância em público. Não demora, a decepção chega, esteja pronto, ninguém é perfeito a ponto de esconder os próprios defeitos durante a vida inteira.

O filho não expressará sua frustração somente a partir de insultos, manhas na mesa e choro ao dormir - sintomas óbvios. Faz também de formas mais secretas e que muitos nem identificam. Uma delas é, de repente, gabaritar as provas da escola e passar de aluno C para A. Pensaremos que ele finalmente encontrou a vocação, que agora decolou para Harvard. Cuidado, grandes alunos estão escondendo grandes problemas. São os mais inteligentes, disfarçam os pontos de críticas para conquistar a indiferença. Como não tem desempenho ruim na escola, parece que está maravilhoso. Os conceitos tornam-se álibis para cultivar tiques e fobias em paz.

Já ouvi casais dizendo diante do orgulhoso boletim do filho: "Não preciso mais me preocupar com ele!". Sim, precisa se preocupar, agora mais do que nunca. O acerto não é isolado. Veja se ele não anda antissocial, se não está falando baixo, se procura contar seu dia?

O que é bom não é de todo positivo, o que é ruim não é de todo negativo.

Assim como é provável que o filho, nalgum momento, largará de nos chamar de pai e adotará o nosso nome como referência. Cheira a desamor, tampouco é; trata-se de um distanciamento necessário para criar sua identidade. Vicente, meu filhote, inventou de me caracterizar como "Ele". No começo, me magoou. Depois larguei de corrigi-lo. Pai é uma palavra difícil. Em vez de defender o meu desapontamento, é hora de ajudá-lo. Esclarecer que não sou seu centro do mundo, que ele está certo em procurar seus gostos e empatias fora de mim.

Já fui menino, é um horror amadurecer, vem os pelos, a voz muda, nos sentimos feios, não controlamos a sexualidade sequer entendemos os hormônios, existe o receio de que os outros também notem nossa transformação. É uma solidão que somente a timidez suporta.

Para o filho não ser um monstro não podemos fingir que somos heróis.




Publicado na minha coluna
"Primeiras Intenções"
Revista Crescer
São Paulo, P. 111, Número 206
Janeiro de 2011

Fale comigo

Contrate
agora uma 
palestra

Preencha o formulário para receber um orçamento
personalizado para a sua empresa ou evento.

Termos de uso e politica de privacidade