Blog do Carpinejar

EMPODERAMENTO MASCULINO

A esposa elaborou uma lista de minhas roupas que pretende doar para a Campanha de Agasalho. São dois calções de futebol largos, a camiseta com uma homenagem ao restaurante Mocotó, de São Paulo, uma calça colorida e uma camisa psicodélica que coloco virada de propósito. Ela detesta. Já escondeu a pilha no cesto de roupa suja – eu lavava e ela colocava de volta como se estivesse suada. Já camuflou atrás de seus vestidos. Já ensaiou uma sacola para doação. Eu sempre encontro na última hora, como um Sherlock mendigo.

Desmontei os seus planos maquiavélicos de forçado desapego. Qual a graça da bondade emprestada? É como se ela fizesse ioga no meu lugar.

Fico matutando que o mau gosto é muito pessoal, ninguém mais usaria os meus trastes além de mim, mesmo se fossem dados.

Como ela demonstra indisposição, não há mais como me desfazer delas. Acabou a pureza do convívio, entramos na insana queda de braço. Aceitar prontamente o descarte seria sinal de fraqueza e de submissão de minha parte. É uma oposição divertida que alimento entre nós. Provoco o seu destempero e o festival de ataques. Minha vontade é de rir com as suas respostas inusitadas, porém mantenho o perfil sério para aumentar a graça da encenação.

O que realmente adoro é sair com uma das peças e ver sua cara de assombro. Ela chega a preparar um beiço todo especial:

– Você vai sair desse jeito?

É a pergunta mais deliciosa que o homem pode receber de sua mulher. Eu me sinto poderoso, independente, vingando a minha personalidade. Ela me analisa e desaprova, e não cedo um passo, não entro em parafuso, não declino. Ela quase enlouquece procurando me convencer de que estou jeca. Na última vez, ela me chamou de ¿pega-frango¿. Coisa boa não é, ainda mais nesta crise de confiança da carne. Eu respirei fundo e não levei a ofensa para o particular. Fingi que era uma crítica a um personagem.

Não que eu queira não lhe agradar, mas não posso agradar-lhe sempre. Mantenho uma reserva de autonomia, senão estarei passeando com uma coleira no pescoço.

Concordo que essas roupas são péssimas, cafonas, chinelonas. Não falo, porém concordo silenciosamente no fundo da alma. Não coloco fora porque ela inventou de implicar com elas, daí virou uma questão de honra.

O amor é feito de dissidências. Quem concorda com tudo não tem opinião própria.

Publicado em Jornal Zero Hora em 18/04/17

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