ENTRE CALCUTÁ E BAGÉ
Arte de Eduardo Nasi
Não subestime a dor da separação.
É uma alternância arrebatadora para o bem e para o mal. Um vaivém. Uma contradição de fim e início, tudo colado, de uma hora para outra; convalescenças instantâneas e movediças, adoecimentos súbitos e desmoralizadores.
Por precaução, não marque compromissos no intervalo de doze horas: imprevisíveis suas condições psicológicas. Às vezes está em Calcutá e a vaca é santa e outras em Bagé e ela é churrasco de domingo.
Não ouse se explicar. É uma desintoxicação lenta e gradual. Alguém dentro de si precisa morrer. Ou você ou sua ex. É uma luta para quem ficará de pé em seu rosto. Muitos homens terminam com uma máscara feminina após o luto — é que renunciaram a própria fisionomia para assumir os traços de seu amor.
Não menospreza a guerra. Quem foge da fraqueza perde. Quem mergulha na fragilidade também perde.
A impressão é que se arrebentará chorando. Chora como um animal, rasteja nas vogais, jura que sua vida acabou, que não tem mais nada para fazer, chora por si mais do que por ela. Chora vento. Vacila ao atender ao telefone, já que toda palavra mais longa é cortada por um calafrio. Desaprende a se despedir educadamente, acostuma-se a desligar na cara do amigo. Seu tempo é de cortinas cerradas e insalubridade.
Prepara um coquetel de lembranças comoventes, joga as caixas fora e toma a overdose para abraçar o esquecimento. Busca dormir logo, somente dormir, porque sonhando ainda tem a chance de encontrá-la desatualizada do fim.
Mas você acorda, apesar da força de vontade para não se levantar, apesar da reza para que o calendário morra.
Ao arquear o corpo, estará disposto, estranhamente contente, nem se assemelha ao moribundo do turno anterior, é como um revezamento de identidade, uma substituição de pele.
Como um final de semana de sol na praia, vai pular da cama, escovar os dentes cantando, jogará espuma no espelho, certo de que amará de novo, com gula, com insanidade selvagem, sem medo de ser usado e esperançoso do par perfeito.
Como a liberação de endorfinas de uma corrida, nenhum obstáculo será grande o suficiente para amedrontá-lo. Confia que se esbarrar com ela, não tremerá. Se a enxergar com outro, pode até oferecer três beijinhos no rosto.
Marca festas, escreve mensagens animadas e irônicas, planeja dobrar sua rotina de trabalho para ser feliz como nunca. Agradece a sorte, a solteirice, conclui que o namoro é um fardo a menos, pode sair e voltar quando quiser, não depende de explicações, pondera comprar um caminhão Ford para inscrever no para-choque: não me separei, eu me livrei.
O entusiasmo não dura sequer um longa-metragem. Os olhos espetados de Pitanguy se agravam em olheiras de Boris Karloff. Retorna a um desânimo violento, a ânsia é cancelar os compromissos, as reuniões e as saídas com os colegas, rasteja para a cama novamente. Puxa a coberta como se fosse mais pesada do que seu corpo. E adormece, para se enganar.
Todo mundo que sofre por um amor perdido tem dupla personalidade.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira