ERA UM FUTEBOL COM OS AMIGOS
Arte: Eduardo Nasi
Jogo futebol toda segunda-feira com amigos. No início, era para ser com grupo da mesma idade. Mas com o tempo, os quarentões se lesionam com mais facilidade e a reposição etária ficou complicada.
Encontrar alguém que não tenha uma complicação – uma lesão irreversível no joelho ou uma hérnia de disco – é uma loteria. Nem criando um anúncio no Facebook é possível recrutar soldados interessados em se alistar e desafiar a saúde e o casamento. Há mais treinadores e juízes habilitados do que atletas em campo. Os colegas dispostos e disponíveis rarearam consideravelmente.
A pelada entrou na patifaria mesmo. Porque os pais, diante da ausência de quórum, chamam os filhos adolescentes para completar os times. A igualdade de fôlego desaparece. E a velhice surge mais evidente e caricata. Melhor entrar em campo com uma bengala, onde contarei com mais chances de me defender.
Você não está mais disputando partidas na sua faixa sênior, mas concorrendo com o juvenil. Uma dividida de bola no alto pode custar duas semanas de recuperação. Quando você sobe para cabecear, precisa descer – esquecemos desse fundamento.
Estaremos troteando na quadra, em lento desfile farroupilha, enquanto os meninos vão e voltam num galope de turfe. Eles brincam; nós, velhos, brigamos com o cronômetro. Quanto falta para acabar é um pedido de socorro de nossa parte. Quanto falta para acabar é a excitação deles para fazer mais gols.
Experimentamos a gravidade pensativa e cautelosa de um tabuleiro de xadrez, e a meninada pensa que aquilo é dama, comendo as peças rapidamente pelas diagonais.
Em meu condicionamento atual, desfruto da reserva de três piques por semana, mas queimo o estoque na largada para acompanhar e intimidar os jovens. Peço para ficar um pouco de goleiro para me recuperar da asma forcada, algo impensável para o fominha de outrora.
A cabeça raciocina uma triangulação, o corpo só geme e corre para frente. Nossa geometria é uma linha reta. Nunca mais o triângulo equilátero das peladas da infância, com os três lados iguais.
Minha esposa estranha a minha exaustão de noite, mancando e suspirando até para abrir a geladeira. Há muito não jogo futebol, é pentatlo. Corro, me arremesso, salto, lanço e luto. Acima de tudo, luto para não me entregar.
Publicado em Vida Breve em 02/08/17