Blog do Carpinejar

ERMENEGILDO


Fui comprar um terno. Tenho alguns, mas desejava adquirir uma opção para o inverno.

Acompanhado da namorada Juliana, entrei em loja do térreo do Shopping Iguatemi totalmente desavisado.

Era um espaço mais tradicional, conservador, de grife. Não custava olhar, apesar de não fazer meu gênero.

Girei pelos manequins à procura de um conjunto moderno em conta.

Nenhum casaco descia em meus ombros com exclusividade. Já estava com a cabeça fora dali, idealizando o nosso jantar.

Mas, na saída dos corredores, percebemos um terno lindo, preto, com corte diferente nas mangas.

Para quê? Experimentei e entrou como se a minha pele nascesse dele.

Não escondi o entusiasmo e questionei o preço para a vendedora.

Ela soletrou:

– R$ 4 8 9 6 5...

Já vibrei com o braço na frente do espelho, meditando que poderia pagar R$ 489.

Arrematei o cabide:

– Decidido, vou levar!

A atendente arrumou a barra com alfinetes, dancei Travolta com o novo visual, combinei a retirada na próxima tarde, e me dirigi ao pagamento.

Para me certificar, consultei o preço.

Ela reiterou pausadamente:

– R$ 4 8 9 6 5...

Juliana ficou perplexa. Não alcancei a confusão. Deduzi que fosse pela passionalidade da compra.

Ela abanava com as mãos em minha orelha:

– Mas é um Ermenegildo, Fabrício, Ermenegildo!

Tranquilizei:

– Vi, amor, um Ermenegildo mesmo, é barbada, né? Que sorte entrar aqui e pegar uma promoção.

Ela mordia os dedos.

Eu não tinha ideia de que a peça se tratava de Ermenegildo Zegna, pai dos ternos da Itália, Dom Corleone do tecido, mentor de Dolce Gabbana e Armani, figurino predileto do Oscar, stradivarius das golas.

Confesso que desconhecia Ermenegildo.

Na hora de passar o cartão, a caixa perguntou se eu desejava parcelar o valor.

Disse que não precisava, que poderia ser direto no débito. Em uma vez.

Juliana arregalou as sobrancelhas.

O cartão não autorizou. Reforcei que havia saldo. A caixa explicou que as financiadoras não aprovam compras em shoppings depois das 22h, para evitar sequestros.

Ela tentou driblar o controle e dividir o valor em dois cartões. Eu assobiava de feliz.

Neste momento, eu vi, eu enxerguei a verdade cósmica dos números no visor, o E=mc2 do meu consumo.

O valor da compra era de R$ 4.896,50.

A soletração sem vírgula da funcionária me confundiu.

O terno de Ermenegildo, em promoção, valia R$ 5 mil.

Reprisei as feições da namorada em sequência, e compadeci do seu desespero. Um pouco antes, no mercado, na frente dela, neguei uma gilete pelo acréscimo de R$ 0,50.

Não entendeu nada do que aconteceu. O meu surto. A minha surdez.

Quando descobri o engano, não encontrei coragem de contar a verdade e menti para a vendedora que voltaria no dia seguinte.

O terno continua me esperando, com as minhas medidas impressas na calça.





Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, p. 2, 23/04/2013
Porto Alegre (RS), Edição N° 17411

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