Blog do Carpinejar

ETIQUETA DA CAVALARIA

Arte de Cínthya Verri


Os homens não confessam suas fraquezas, realmente são discretos em suas lamúrias. Diante da pancadaria verbal da parceira, apanham em silêncio. Têm preguiça de se defender. Resmungam apenas, e se entregam a polir os cascos. Não respondem nem quando cobertos de razão. Esvaziam qualquer xingamento com miados de falsa obediência: “Já vou”, “ok”, “certo”, “desculpa” e “logo faço”.

Se as patroas estão dispostas a comprar briga, eles não emprestam o cartão de crédito. Saem das zonas de conflito, que costumam ser o quarto e a cozinha (não tem sentido brigar na varanda). Procuram os ferrolhos do polícia-ladrão doméstico. Afinal, descobriram que a discussão depende mais do aposento do que da fragilidade de seus envolvidos. Alguns marmanjos se encaminham para a trégua da garagem, outros sujeitos investigam a origem das mesas mancas. Os trabalhos de marcenaria e de mecânica permanecem sendo os favoritos para espairecer.

A verdade é que a turma masculina não sobreviveu à vigilância materna e chegou, exausta, à vida adulta. Porque, na infância e adolescência, nenhuma mãe concedia folga, pedia para ajeitar algo a cada minuto. Arrumar o quarto, então, era uma cobrança implacável. Toda mãe tem alma de governanta, toda criança é vocacionada à camareira.

A esposa deveria pôr a mão na consciência, fazer um exercício de generosidade e concluir que seu marido não é um filho da m. ou da p., e sim o filho da sogra. Um pensamento singelo capaz de revolucionar os relacionamentos. Num instante de lógica, verá o quanto ele sofreu e agradecerá que não é tão sequelado, que pode caminhar e se barbear sozinho.

O macho merecia mais respeito, suporta em segredo o insuportável. Por exemplo, nunca vi marido reclamar dos tufos de cabelos no box. É um argumento implacável, porém proibido pelas regras de etiqueta da cavalaria.

A mulher abandona um monumental aplique nos azulejos do banheiro, larga a cabeleira de Elke Maravilha no cantinho, e não recolhe. E permitimos que ela desfile pelo corredor após o banho. E deixamos que vá impune ao serviço.

A mulher doa mechas inteiras ao piso, empreende um reflorestamento sanitário, e não falamos nada.

O ralo sempre entope; e ela jamais entende o que aconteceu, e dá-lhe inferno e dá-lhe Diabo Verde.

E ainda reclamam dos respingos de nosso mijo.




Crônica publicada no site Vida Breve

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