FALAR-LHE-EI A TEU RESPEITO
Arte de Fatturi
Eu tossia com violência, mal à beça, com asma de fechar a garganta e o nariz.
Era alta madrugada.
Puxava o ar como se fosse um carrinho com controle. Algo separado de mim. Um vento estranho que exigisse o alcance visual.
Sofria a chegada do inverno. Seria mais uma passagem tumultuada pela emergência do hospital Moinhos de Vento. Estragaria o dia seguinte de trabalho. Já estava desanimado prevendo as consequências de arrasto e das poucas horas de sono.
Foi quando a banalidade me ofereceu seu milagre.
Depois da nebulização, já tranquila com a medicação, Juliana pegou com vontade a minha mão esquerda e beijou meus olhos.
Beijou os dois olhos em sequência. Beijou minhas pálpebras como se fossem lábios. Umedeceu meus olhos com sua saliva.
Não parava de acalmá-los com seu perfume. Sua boca caminhava de um lado para o outro, como uma compressa de febre.
E vi o quanto ela me desejava.
Quem beija a boca está apaixonado. Mas quem beija os olhos de seu homem está amando verdadeiramente.
Beijar os olhos é ter medo de perder quem a gente quer, é ter medo da viuvez, da solidão, do abandono, de nunca mais ser feliz.
Ninguém beija os olhos à toa, por distração.
Beijar os olhos é uma demonstração de apego, de urgência, o equivalente a uma serenata na janela.
Não é para qualquer um, é um gesto pensado, decidido, orquestrado pelos nervos e solicitado por todo o sangue do corpo.
É o auge da delicadeza. É quando a feição se abre em corredor do altar.
É o cume da sutileza, manifestação maior de confiança.
Beijar os olhos de um homem é a mesóclise da vida a dois. A mesóclise é linda, mas rara, deve ser usada em ocasiões muito especiais.
Uma mulher somente beija os olhos de seu homem porque chorar não é mais suficiente. E chora com a própria boca em outros olhos. Sua língua é uma lágrima emprestada.
Trata-se de um beijo que rouba o rosto inteiro. Um comprimir confuso, sincero, impetuoso.
Talvez seja uma confissão mais do que beijo. Talvez seja um voto de fidelidade. É o instante em que ela aceita que o tempo não existe no amor, o que existe é a palavra dada.
Beijar os olhos de um homem é um pedido de casamento feito pela mulher.
Não me curei da asma, mas, desde aquela noite, meus olhos respiram muito melhor.
Porto Alegre (RS), 07/07/2013 Edição N° 17484