FEITIÇO DA GINA
Arte de Eduardo NasiNão se estarei casado ou solteiro na próxima semana, não sei onde estarei morando no próximo ano, não sei se ligarei a máquina de lavar e de secar direto do celular, não sei se me apaixonarei pela voz do computador, não sei o que me espera.
Os tempos são rápidos e provisórios.
O que me acalma diante da enxurrada de notícias, aplicativos solicitando atualização e links abertos é comprar no supermercado um caixinha de palitos Gina e um pacote de Pastelina.
São as únicas embalagens que permanecem iguais desde a minha infância.
Gina e Pastelina não mudaram. Algo não mudou no mundo. Algo segue intocável há quatro décadas.
É como uma casa que não foi destruída no bairro em que nasci.
É como um brinquedo embalado e jamais usado.
Gina e Pastelina são objetos de colecionador que tenho o direito de adquirir semanalmente.
Recordo do tempo em que íamos toda a família para a churrascaria Barranco, e que os palitos serviam para brincar com os meus primos. Quebrávamos cinco Ginas ao meio, juntávamos suas pontas e derramávamos uma gota de água no centro em comum das varetas. Incrivelmente, a madeira absorvia o líquido e começava a inchar. Os palitinhos cada vez mais abertos formavam uma estrela pulsando, uma estrela se agigantando, uma estrela engolindo a mesa.
Só com o cheiro da Pastelina, sou levado de volta para a alegria do intervalo da escola. Equilibrando um copo de guaraná e o pacotinho de massa frita, sentava no terceiro banco de pedra do pátio, meu camarote imutável para assistir as meninas jogando vôlei.
Gina e Pastelina me proíbem de envelhecer. Gritam “estátua” para mim e não me mexo.
É melhor do que chá de melissa: desaparece a enxaqueca, refaz a minha linha de tempo do Facebook, acaba com bloqueio criativo.
Gina e Pastelina resistiram aos layouts modernos, à ânsia de consumismo, às tentativas de se mostrar diferente por fora e apenas por fora.
Desconheço quem inspirou o logotipo da Pastelina. Tampouco muda a minha admiração ter consciência de que a modelo dos artefatos de madeira foi a polonesa Zofia Burk, que depois não conseguiu mais emplacar nenhuma campanha.
Ela será sempre a rainha da minha cozinha: dona de casa feliz e radiante, com seu cabelo de penico dos anos 70, o olhar roubado de Jesus Cristo, a dentição de quem nunca conheceu uma cárie.
Ele será sempre o rei do meu eterno recreio: o feiticeiro narigudo, de fraque, gravata borboleta e cartola, que somente entregará a receita da Pastelina se a Coca-Cola mostrar a sua.
Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira 15/07/2015